Luiz Carlos Vasconcelos
Se considerarmos que a crítica é a atividade
...Luiz Carlos Vasconcelos
Se considerarmos que a crítica é a atividade
...Há 19 anos, surgiu a Lei Roaunet como uma das únicas ferramentas de financiamento à cultura do Brasil.
Gerson Steves
Pediram um artigo sobre a Lei Rouanet. E tudo que eu conseguia pensar era noutro artigo que eu tinha, sobre uma conversa com o faxineiro do meu prédio. Essa mania que eu tenho de reciclar lixo acabou me aproximando de pessoas jamais imaginadas. O que é ótimo. Ele me disse a seguinte frase: "Tem gente que acha que só porque a gente mexe com lixo, a gente é lixo." Eu, pessoalmente, gosto muito dos momentos em que estou separando o meu lixo. Faço isso porque gosto. Juro que gosto. O lixo me ajuda a pensar, sabe? A organizar as ideias. O pensamento fica todo separadinho: vidro no lugar de vidro, plástico no lugar de plástico, papel no lugar de papel. Aprendi com ele que existem outros jeitos de arrumar o lixo - cada um arruma como quiser, o lixo é seu! - mas esse é o mais fácil do lixo deixar de ser lixo e voltar a ser coisa.
Outro dia, sem ter o que fazer além de separar uma montanha de papel e plástico, pensei numa historinha em que meu amigo seria o protagonista. E coloquei a pequena parábola na boca dele. Ficaria mais ou menos assim:
"Um sujeito me propôs o seguinte... ele me mostrou uma aliança, pequenina... de ouro bem vagabundo e disse: ‘hei, lixeiro - eu deixei ele achar que eu era um lixeiro -, você quer isso aqui?' E eu disse que queria. Eu queria a aliança que o tal sujeito estava me oferecendo... daí ele disse: ‘então vou jogar aqui neste latão cheio de merda e você recolhe.' Fiquei fulo! Só porque eu aceitei, ele resolveu jogar na merda? Ele insistiu que se eu quisesse mesmo a tal aliança ia ter que meter a mão na merda até aqui, ó! (e indica para cima dos cotovelos) Disse que não queria meter a mão na merda pra ficar com a aliança. E o cara disse, então, que ia ficar sem. É mais ou menos do mesmo jeito que acontece com uma pedra que a gente joga numa lagoa. Num momento ela está na mão da gente e tem lá a sua importância de pedra. Na hora justinha que a gente joga a pedra na lagoa, ela deixa de ter algum valor, foi parar no fundo, junto com um monte de outras porcarias. Mesmo quando a gente joga a pedrinha pra ela quicar na água. Sabe aquele jeito que a gente joga pra ela sair pulando até afundar? A gente faz aquilo pra só pra ver uma coisa dura (que é a pedra) resistir a uma coisa mole (que é a água), pra ver uma coisa pesada ficar por cima da coisa leve, só pra variar. Mas uma hora a pedra afunda, ela para de quicar e afunda. Vai parar no fundo da lagoa, junto com um monte de outras porcarias. E é nesse instante que se dá um negócio muito engraçado com a gente. Na horinha exata que a pedra afunda, ela deixa de existir, deixa de ser importante e o que passa a contar é a imensidão da lagoa que continua sempre igual. Mas só na superfície, porque no fundo vai tendo cada vez mais um monte de outras e novas porcarias. Igual a aliança... quando ela cai na merda, deixa de existir e o que passa a valer é a merda que está em volta."
Mas o artigo tinha que ser sobre a Lei Rouanet. Logo eu, escrever sobre algo que desconheço profundamente. Sempre me mantive afastado, nunca produzi nada com dinheiro advindo dessa ou de qualquer outra lei. Talvez por isso, você, leitor, nem saiba quem eu seja. Como autor, diretor ou produtor, o meu teatro nunca interessou a patrocinadores, nem sequer trabalhei com estrelas capazes de atrair multidões. Faço "a minha sujeirinha no meu cantinho" e depois limpo tudo, reciclo tudo.
Entretanto, sempre achei que deveria ser o máximo estrear com o "produto" pago. Sem dívidas, sem compromissos e com data certa pra acabar. É um grande negócio, mesmo que não dê bilheteria. Tem a tal da contrapartida social, mas como isso ninguém confere, bastam algumas palestras ou aulas abertas e pronto: o produto volta a ser lucrativo! Lucrativo, sim! Afinal, o público paga duas vezes, pela isenção do imposto devido do patrocinador e por meio da entrada - que na maioria das vezes é salgadíssima. Há exceções? Claro que sim, pra tudo há - e elas que me perdoem. Por essas e por outras que fico no meu canto, separando o meu lixo. Algumas vezes penso se vale a pena colocar a mão nessa lata em troca uma aliançazinha de ouro lá no fundo!
Gerson Steves tem 25 anos de atividades teatrais na cidade de São Paulo, tendo atuado como diretor, dramaturgo, ator, produtor e professor.