Luiz Carlos Vasconcelos
Se considerarmos que a crítica é a atividade exercida por um espectador profissional - o crítico - que tem a função de analisar as várias camadas constitutivas do objeto cênico para detectar a sua eficiência enquanto experiência estética significativa;
Se considerarmos também que "espetáculos com enfoques diferentes" quer se referir a toda a gama de experiências cênicas desde as que são construídas a partir de uma literatura dramática até aquelas apoiadas na própria construção poética da cena e, portanto, determinadoras de novos paradigmas;
Se considerarmos, por fim, que o fenômeno teatral sempre se apoiou e sempre se apoiará num triângulo imutável - teatro/ ator/ espectador, podemos afirmar: independentemente do lugar, da época, da forma, do novo paradigma a ser estabelecido, ou da última invenção tecnológica arrastada para dentro da cena, que para existir a arte do teatro, alguém (um ator, uma pessoa) terá que realizar algo (com alguma qualidade artística) diante de outro alguém (uma testemunha, um espectador).
Se aceitas essas considerações preliminares, podemos então afirmar que o papel da crítica é justamente revelar e analisar as diferenças e mesmices que constituem a pluralidade da cena contemporânea. Portanto, a produção crítica deveria ser diferente na proporção do número das diferentes realizações cênicas.
Se aceitarmos como verdadeira a tríade teatro, ator e espectador, deveríamos aceitar que o critério de análise a ser adotado pela crítica, mesmo diante de toda diversidade, poderia ser um só, ou seja - responder às seguintes questões fundamentais: que qualidade/eficiência tem o que o ator realiza e a cena que foi construída? E o que imprime/causa esse ator e essa construção cênica, no corpo-experiência do espectador? Responder a essas questões será o desafio dos grupos, diretores e também dos críticos.
Mas como exigir aprofundamento da crítica se os espaços disponibilizados para o exercício crítico nas páginas dos periódicos cada dia fica menor? Por que publicar só uma crítica sobre determinada encenação? Por que não arejar esses espaços convidando outros profissionais da área, inclusive estudantes, para um exercício analítico com várias leituras sobre o mesmo objeto cênico?
Mas os críticos só não podem esquecer, de nenhuma forma, que criticar é produzir sentido a partir de um fenômeno que, em si, já é produtor de sentido; é o olhar do analista sobre o olhar do artista sobre o mundo. E esse é um exercício estético e ético.
Luiz Carlos Vasconcelos - Diretor e ator, criador do palhaço Xuxu, um dos fundadores da Escola Piollin e do Piollin Grupo de Teatro (www.piollin.org.br), sediados em João Pessoa /PB
Eduardo Moreira
Antes de mais nada, considero que a crítica é um elemento fundamental para o crescimento e o desenvolvimento da atividade teatral e lamento muitíssimo que cada vez exista menos espaço nos jornais para esse tipo de atividade. Estamos vivendo um tempo em que os profissionais da crítica perderam o espaço para discutir idéias e se tornaram mais e mais indicadores de entretenimento. Uma cidade como Belo Horizonte, por exemplo, com algumas honrosas exceções, praticamente não tem críticos que exerçam sua função regularmente.
Dito isso, a título de introdução, entro no tema em questão, afirmando que não vejo por quê deva existir setorização da crítica para os diferentes tipos de espetáculos.Acho que o crítico é uma espécie de espectador privilegiado que deve ter amplas condições de compreender a diversidade e a complexidade dos múltiplos extratos da arte, e especificamente, do teatro.Criar padrões específicos de análise para determinados "tipos" de teatro soa como uma certa atitude de condescendência que um crítico deve passar longe, pelo bem do meio.
A diversidade é um elemento fundamental para a vida do teatro. É muito bom que exista e floresça o teatro comercial, o experimental, o performático, a vanguarda, o musical, a comédia, a tragédia, o drama, etc. Da crítica espera-se a obviedade de um olhar amplo e sem qualquer tipo de preconceito sobra as múltiplas formas de abordagem teatral.
Agora, independente da linguagem ou da proposta, existe um padrão de qualidade e de rigor que precisa ser reconhecido e apontado. Senão corremos o risco de cair naquela máxima defensiva de que o público ou a crítica não gosta do meu espetáculo porque não entendeu ou porque é burro. O pior inimigo do teatro é o mau teatro que, desgraçadamente, se alastra como erva daninha.
Acredito, sim, que existem critérios de qualidade que podem ser aplicados aos diferentes tipos de espetáculos. Abrir mão disso é arriscar cair num relativismo perigoso. O que se pede a um bom crítico é clareza na argumentação, honestidade, ausência de preconceito e uma boa dose de cultura.
E, para terminar, gostaria de dizer que essa é uma opinião pessoal e que, sendo o Galpão um grupo de atores em que as pessoas têm suas próprias opiniões, muitas vezes divergentes, esse não é um ponto de vista do grupo.
Eduardo Moreira - É fundador do Grupo Galpão (www.grupogalpao.com.br), tendo participado de todas a suas montagens tanto como ator, como diretor e assistente de direção. O Grupo tem sede em Belo Horizonte /MG