Há 19 anos, surgiu a Lei Roaunet como uma das únicas ferramentas de financiamento à cultura do Brasil e, alguns anos depois, a Lei do Audiovisual. Estes mecanismos foram oficializados muito recentemente, após muita luta da sociedade civil organizada e da classe artística. São conquistas de uma classe que se desenvolveu e se profissionalizou nas últimas duas décadas apesar de apoiada em políticas públicas frágeis ou ausentes.
O mercado se profissionalizou, a economia da cultura gerou recursos, novos profissionais surgiram e o empresariado achou uma nova categoria de investimento indireto. Atualmente, a política pública de cultura do nosso País é motivo de turbulentas discussões, sobretudo, em torno do Profic (Programa de Fomento e Incentivo à Cultura) apresentado pelo Ministério da Cultura, diante do qual é quase impossível se manter isento.
Há aqueles que ficaram algumas noites sem dormir tentando desvendar possibilidades de não mexerem no seu queijo, outros, festejaram a pseudoqueda da ideologia calcada numa política voltada apenas para o mercado, outros, de cima do muro, arriscaram palpites aleatórios. Mas é fato a intensa movimentação provocada pela exposição para consulta pública da proposta: nos obrigou a pararmos para refletir sobre a forma de se produzir cultura neste nosso Brasil, em plena crise econômica mundial.
Além dos absurdos da proposta, é possível visualizar alguns efeitos positivos desta movimentação. Ela incentivou uma articulação da sociedade civil e, até então, não-articulada de cultura. Somos um País continental, a comunicação entre as redes regionais é escassa e por vezes contraditória, porém a discussão em torno do que gostaríamos de fazer para a política pública deste nosso rico País nos mobilizou, nos forçou a organizarmo-nos em menos de 45 dias (o prazo final é dia 6 de maio) e obrigou a todos a parar para refletir sobre seus formatos de gestão.
Há alguns pontos principais desta discussão que deveriam manter todos em alerta: a infração de legislação existente (direito autoral); abstracionismos no que se refere à regulamentação dos procedimentos apresentados; defesa da escolha de projetos a partir de avaliação duvidosa (pois não há exposição dos critérios) de relevância cultural; proposta de evitar a descentralização de acesso, porém com critérios que podem vir a provocar o arbítrio estatal. No entanto, há também propostas lúcidas como o Vale Cultura, fortalecimento do Ficart e criação de uma loteria da Cultura. Mas o ponto principal desta discussão é que, em um momento em que todos os setores da sociedade clamam por incentivos governamentais para amenizar os efeitos da crise, recebemos como resposta do Ministério da Cultura - além do aumento de impostos do setor - uma proposta que visa substituir a Lei Rouanet por uma legislação temporária com duração de cinco anos, além de apresentar argumentos vagos e demonizar a única fonte de financiamento que possuímos para manter a máquina andando. Mudanças precisam ser feitas? Não há duvida da classe sobre isso, porém, o que questionamos é o fato de fazê-las no momento crítico que o País está passando. A insegurança reside no temor de que as consequências disso possam vir a gerar um apagão cultural nos próximos anos. Quem pagará a conta da cultura até lá?
Nany Semicek é gestora de cultura e sócia-diretora da Agência Encantaria - Cultura Feita à Mão.