Por Leonardo Serafim
...Por Leonardo Serafim
...Festival Amazônia Encena nasceu com o objetivo de levar as artes cênicas aonde o povo se encontra.
Não só mulheres marcaram os musicais recentes no Brasil. Alguns dos maiores nomes masculinos da dramaturgia nacional já entraram para a história por grandes atuações, nas quais encarnavam o espírito de heróis da música tupiniquim. O mais lembrado, talvez, seja o surpreendente Cauby Peixoto interpretado por Diogo Vilela. Em 2006, o ator fez uma das temporadas mais elogiadas da história do teatro brasileiro ao quase, sem exagero algum, reencarnar o famoso artista que, além da exuberante voz, chamava atenção pelos trejeitos, caras e bocas.
“Fazer Cauby no teatro me marcou muito. Não só pela honra e valor da homenagem, que julguei merecida, mas, também, pela oportunidade como ator de exercitar um lado técnico que foge um pouco da minha natureza, que é cantar em cena. Faço aulas de canto com o professor Victor Prochet há 16 anos, desde que interpretei um outro personagem cantor e tão icônico quanto Cauby, que foi Nelson Gonçalves. Adoro musicais, principalmente os de origem brasileira, pois julgo nossa herança musical de MPB umas das melhores do mundo”, diz Diogo.
Para ele, é importante que o ator esteja seguro quanto às suas técnicas vocais para não ficar em diferença com outros cantores em cena. Apesar de ser bem elogiado por sua voz, Diogo admite que só começou a estudar canto profissionalmente quando fez o teste – e passou – para fazer o musical “Cabaret”, em São Paulo, em 1990, sob a direção de Jorge Takla. Até então, admite que, embora tivesse uma boa voz, ficava tímido para mostrá-la na frente de dezenas de pessoas. “Daí para frente, não parei mais de estudar e me aprimorar tecnicamente. Sou da opinião que devemos estudar sempre, fazer vocalizes ao piano não só para dominarmos com brilho a palavra falada e cantada em cena, mas para que não haja essa diferença. Sempre faço isso antes de treinar as músicas, como se fossem aulas. Depois, já com a voz aquecida, canto para ele o repertório. É um ritual que não abro mão”, comenta.
Quem também chamou atenção pelo desafio de interpretar aquele que é considerado o maior cantor que o Brasil já teve, Orlando Silva, é o ator Tuca Andrada. Com direção de Antônio de Bonis, “Orlando Silva, o Cantor das Multidões” esteve em cartaz, há três anos, e arrebatou o público em todas as cidades em que esteve presente. “Foi o maior sucesso teatral da minha carreira e um grande desafio, pois eu tinha que dar vida não apenas a um grande cantor, mas ao maior cantor que esse País já teve. Na verdade, Orlando era mais que um cantor. Ele foi o fundador do moderno canto popular brasileiro, um artista que influenciou todos os grandes que vieram depois dele. Tive muita satisfação com esse trabalho”, revela o ator.
Para reproduzir a maneira de cantar de Orlando Silva, Tuca intensificou suas aulas de canto e ouviu boa parte de todo o repertório produzido pelos grandes músicos brasileiros das décadas de 1930, 1940 e 1950. “Procurei reproduzir aquela maneira de cantar, mas sem pensar em imitar o Orlando Silva, o que seria uma tolice da minha parte. Preparação é sempre importante. Mesmo que a pessoa não pretenda se tornar um ator de musicais, tem que fazer aula de canto e dança. Ela educa o corpo e a voz, que são instrumentos primordiais de um ator”, comenta.
Outro que fez sucesso ao interpretar o papel de um famoso cantor foi Marcelo Serrado, em sua personificação de Tom Jobim nos palcos. Junto com Thelmo Fernandes, que representa Vinicius de Moraes, o ator demonstrou que o talento nos palcos é o mesmo mostrado nas diversas novelas que possui em seu vasto currículo. “Tom e Vinicius” fala sobre a relação entre os dois músicos, que compunham juntos e era grandes amigos. No espetáculo, escrito por Flávio Marinho, Marcelo interpreta Tom em seu processo de composição da peça “Orfeu da Conceição” e sua parceria histórica com Frank Sinatra.
Assim como as grandes atrizes que já interpretaram grandes cantoras, o trabalho desses atores também não merece ser esquecido pelo tempo. A atuação de Diogo, Tuca e Marcelo deve ser lembrada ainda por muitos anos. Não apenas pelo grande trabalho realizado, mas também pela memória que mantiveram viva de alguns dos maiores músicos que este País já teve a sorte de reverenciar.
Os maiores nomes femininos da música brasileira já foram representados por atrizes consagradas da dramaturgia nacional
Por Felipe Sil
Amor pelo palco e pela arte. A música e a dramaturgia estão interligadas há séculos. Uma canção conta uma estória, mesmo que não contenha palavras. Uma atriz produz harmonia com seus gestos e cadências orais. Tudo é ritmo. A tradição musical nos teatros brasileiros é rica. Basta olhar para os cartazes de espetáculos espalhados por todo o País para observar, ainda, que esta cultura simbiótica tem se tornado cada vez mais intensa. Como resultado, nota-se um histórico recente formidável de grandes cantoras da música brasileira – como Elis Regina e Carmen Miranda – sendo interpretadas por grandes nomes da dramaturgia nacional. Mulheres intensas representadas por mulheres intensas. Caso atual é o de Rosamaria Murtinho, em cartaz no Teatro João Caetano, no Rio de Janeiro, no papel de Isaurinha Garcia, na peça “Isaurinha – Samba, Jazz e Bossa Nova”.
“Houve um tempo em que, no Brasil, não se fazia muitos musicais, apesar de toda nossa tradição em belas canções e melodias. É porque um espetáculo do tipo, com muito canto, requer bastante produção. A nova geração, porém, tem dado uma lição muito importante. Ela perdeu a vergonha de subir em um palco e cantar. Pouco tempo atrás era até difícil achar alguém para interpretar musicais ou peças que envolvessem o canto. Hoje essa nova leva de atores e atrizes me dá muito orgulho”, revela Rosamaria.
A peça conta a vida de Isaurinha Garcia, que viveu o período de ouro do rádio, nas décadas de 1940 a 1980, e ficou conhecida como “a personalíssima”, por ter um estilo inteiramente original. Na verdade, esta é a segunda vez que Rosamaria Murtinho interpreta a cantora. Em 2003, a atriz já havia personificado a artista. “É bem difícil atuar e cantar ao mesmo tempo. Ainda há a dança. Ser bom em três aspectos é algo bem complicado. Claro, porém, que a pessoa não precisa ser maravilhosa em todas as características. Liv Ullmann dizia que não precisava ser uma cantora de ópera para encenar na Broadway. Ela era um atriz que cantava. É mais ou menos assim que vejo o meu trabalho”, diz.
A interpretação de Rosamaria foi tão elogiada que vale a pena citar um e-mail enviado pelo jornalista Sérgio Cabral, pai do atual governador do Rio, à atriz: “Chorei no espetáculo como chorava quando via a Isaurinha cantar. Obrigado”. Rosamaria elogiou o espetáculo e explicou um pouco quais são as particularidades de interpretar uma cantora e não um personagem ficcional comum. “Para começar, o que está claro: a Isaurinha foi uma pessoa que existiu. Então, ela se torna, automaticamente, produto de pesquisa. Como intérprete, tenho que reverenciar tudo o que ronda a sua existência. Preciso ser o mais fiel possível à Isaurinha. Levei mais de meio ano estudando, sozinha, o sotaque e o jeito de andar. Falei com parentes e amigos próximos, como Hebe Camargo e o músico Caçulinha, para aprender o máximo”, revela a atriz.
Quem também já chamou a atenção pela capacidade de interpretar outra artista foi a cantora e atriz carioca Inez Viana. Com mais de 20 peças no currículo, ela já trabalhou com diretores renomados como Aderbal Freire Filho, Enrique Diaz, Miguel Falabella, João Moreira Salles, Jorge Fernando e Cecil Thiré, entre outros. Foi a sua interpretação de Elis Regina, em 2002, porém, que lhe reservou um lugar entre as maiores atrizes do Brasil. “Fico muito feliz e agradecida por ter interpretado esse papel na minha vida. Ainda considero Elis a maior cantora que o País já teve. O espetáculo marcou muito a minha vida”, diz.
Interpretar um outro artista, entendendo e assimilando todo o processo de criação de sua arte, suas complexidades e vicissitudes, é uma tarefa ardilosa. Inez fala sobre sua forma de trabalhar: “Normalmente eu tento entender qual a minha forma de pensar a arte para, depois, identificar-me com algo e colocar à serviço do personagem. Seja um trejeito ou alguma forma de fazer algo que esteja em comum com a Elis, por exemplo”, conta.
Dirigido pelo ator Diogo Villela, o musical “Elis - Estrela do Brasil” apresentava Inez Viana no papel de uma das cantoras mais emblemáticas do Brasil. A atriz interpretava nada menos que 30 músicas do roteiro e dava vida a um período de 24 anos da carreira de Elis Regina. No elenco, além de Inez, estavam Malu Valle (como a mãe de Elis), Flávio Bauraqui, André Dias, Nelson Freitas, Marcos Oliveira e Eron Cordeiro, entre outros. Para interpretar a “pimentinha”, a artista chegou a emagrecer dois quilos, cortou o cabelo e usou uma prótese para que sua gengiva aparecesse mais.
Uma grande atuação requer aprendizado constante. Inez, apesar de toda a reconhecida experiência nos palcos, não para de fazer aulas de canto. A boa preparação, segundo ela, é requisito essencial para quem quer ser ator de musicais. “É um esforço muito grande, já que você precisa saber dançar, cantar e atuar muito bem”, comenta a artista, que realizou mais de 12 musicais na carreira. “Com o tempo, a pessoa adquire a sua melhor maneira de se preparar para o trabalho. Eu, por exemplo, chego sempre três horas antes do espetáculo e começo a aquecer minha voz. Tenho, também, muito cuidado com a alimentação”.
Rosamaria Murtinho revela sua preparação especial para interpretar Isaurinha Garcia. “Em dia de espetáculo eu não falo praticamente nada desde o meio-dia. O objetivo é poupar a voz. No máximo, faço alguns exercícios no camarim. Outra precaução é nunca sair de casa sem uma echarpe. Essa, aliás, é uma dica da grande Bibi Ferreira, que, inclusive, me disse que o acessório deve ser levado até o nariz, para que a proteção seja ainda mais eficaz.”
Bibi Ferreira é atriz, cantora, diretora, compositora brasileira e, principalmente, uma das maiores intérpretes do País. Seu tributo à cantora francesa Edith Piaf bateu recordes de público em todas as cidades em que foi apresentado, obteve sucesso de crítica e lhe rendeu diversos prêmios de melhor atriz. Apesar do espetáculo ter sido criado e encenado na década de 1980, a atriz volta ao personagem esporadicamente. Este ano, quando se comemora o Ano da França no Brasil, Bibi apresentou uma curta temporada de ”Bibi canta e conta Piaf”, no Maison de France, no Rio de Janeiro
Considerada uma das grandes damas dos palcos brasileiros, com mais de 60 anos de carreira, a artista parece incansável e continua a atuar, dirigir e produzir espetáculos. Outra interpretação marcante de uma cantora foi em 2001, quando Bibi Ferreira estrou no Rio o espetáculo “Bibi vive Amália”, em que cantava a vida da fadista portuguesa Amália Rodrigues. A peça foi efusivamente elogiada pela crítica e arrebatou o público, que admitia estar em frente a uma atriz que usa a experiência em favor da qualidade artística.
Diretor musical e preparador vocal das atrizes da peça “O Som da Motown”, atualmente em cartaz no Teatro do Leblon, no Rio de Janeiro, Everton Louvize afirma que cada peça e personagem deve ser encarada como um desafio diferente para o profissional. “No caso do trabalho que faço no momento, tive que pegar cantoras solistas e harmonizá-las para pensarem no coletivo. Cada peça é um novo desafio. Então, essas atrizes devem se preparar de acordo com o personagem que irão interpretar. Cada pessoa também tem suas próprias características vocais. Cabe ao diretor realçar as suas características mais marcantes. Claro que tudo isso, porém, precisa de um cuidado. As cantoras da minha peça sempre desaquecem seus músculos quando terminam o espetáculo e tomam precauções especiais”, explica.
Quem também já tem o seu nome no panteão das “cantrizes” é Soraya Ravenle. Em 1999, a atriz fez o papel de Dolores Duran no espetáculo “Dolores”. A interpretação foi elogiada por especialistas e ela recebeu o Prêmio Shell de Teatro pela atuação. Dolores Duran, apesar de ainda não ser reconhecida plenamente pelos brasileiros, é um dos maiores talentos musicais já surgidos no Brasil. Para se ter ideia, a lendária Ella Fitzgerald disse, certa vez, que sua interpretação de “My Funny Valentine” era a melhor que conhecia. “Foi um grande marco na minha carreira. Mudou minha vida profissional. Depois desse trabalho eu recebi várias propostas para interpretar outras personagens. O trabalho de pesquisa teve que ser bem profundo, já que quase não há material registrado sobre Dolores. Tive, então, que ter longas conversas com amigos bem próximos. Todo esse trabalho de conhecimento sobre a cantora me marcou muito, assim como a recepção do público.”
A vasta experiência de Soraya no ramo foi suficiente para lhe dar base teórica e prática para não decepcionar público e fãs. Afinal, em 1992, ela havia sido backing vocal de Fernanda Abreu e, de 1995 a 1999, fez parte do grupo Arranco de Varsóvia, com o qual gravou os discos “Quem é de sambar” e “Samba de Cartola”. Em 2001, Soraya também interpretou ninguém menos que Carmem Miranda na peça “South America Way”. “Mesmo com essa experiência, porém, tenho aula de canto toda semana. É meu parque de diversões. Um estudo infinito. Com o passar do tempo, comecei a perceber que é possível atingir várias nuances de cores com a voz. Começamos a ganhar elasticidade com ela. É um trabalho magnífico e apaixonante. Só que, óbvio, é preciso preparo. Quando estou em temporada, sempre procuro dormir bastante, beber muito líquido e até comer maçã, já que ela relaxa as minhas
cordas”, garante.
Versatilidade também responde por outro nome: Marília Pêra. Atriz, cantora e diretora brasileira, ela parece não saber fazer nada de maneira apenas eficiente. Esbanja competência em todos os aspectos. Maria Callas, Dalva de Oliveira, Carmen Miranda... todas as lendárias cantoras já foram interpretadas pela atriz. Em todas as atuações o sucesso esteve garantido. Marília Pêra foi uma das primeiras “divas” dos musicais brasileiros. O talento musical que sempre teve e aprimorou ao longo dos anos, no entanto, teve que ser jogado fora, magistralmente, no espetáculo “Gloriosa”, atualmente em cartaz em São Paulo – e responsável pela sua indicação ao prêmio Shell de melhor atriz.
No musical, ela interpreta Florence Foster Jenkins, conhecida por ser uma péssima cantora. O trabalho da atriz, portanto, é exatamente o de não acertar nota alguma, o que, surpreendentemente, consegue fazer de maneira espetacular. Como comédia musical, a peça, a julgar pela presença intensa do público nas apresentações, conseguiu achar o tom correto para contar uma estória tão inusitada e comprovou a genialidade de Marília para interpretar um papel tão original e diferente. Afinal, são essas peculiaridades e inovações que fizeram o nome de grandes mulheres do teatro.
No musical, ela interpreta Florence Foster Jenkins, conhecida por ser uma péssima cantora. O trabalho da atriz, portanto, é exatamente o de não acertar nota alguma, o que, surpreendentemente, consegue fazer de maneira espetacular. Como comédia musical, a peça, a julgar pela presença intensa do público nas apresentações, conseguiu achar o tom correto para contar uma estória tão inusitada e comprovou a genialidade de Marília para interpretar um papel tão original e diferente. Afinal, são essas peculiaridades e inovações que fizeram o nome de grandes mulheres do teatro.
Interpretar, personificar, entrar na vida de um personagem é uma tarefa reconhecidamente complexa e confusa. Intrometer-se no modo de pensar e criar de outro artista,, com toda sua lógica peculiar de expôr e demonstrar sentimentos, é um trabalho ainda mais profundo. Só resta, então, aplaudir a performance s dessas grandes mulheres que, não só pela intuição e sentido apurado típicos da alma feminina, mas também pelo suor entre galpões e palcos empoeirados, conseguem mostrar a alma de cantoras renomadas do Brasil. Parabéns a elas.
Morte de astro chamou ainda mais atenção para espetáculo que é sucesso de público e crítica