Por Liliane Ribeiro, redação Florianópolis
Consagrado no teatro brasileiro, Renato Borghi possui mais de 50 anos de carreira como ator – mas esta é apenas uma de suas facetas artísticas. Além de produtor e diretor, seu trabalho como autor é encenado e adaptado todos os anos, como acontece em São Paulo com a montagem “A Loba de Ray-ban”. Apaixonado pelo teatro desde criança, Borghi foi um dos responsáveis pela diversificação da cena teatral no Brasil e é um dos nomes presentes no início do Teatro Oficina, na década de 1960. Nos anos de chumbo da ditadura militar, enfrentou a censura com suas “peças metafóricas”.
“Nós tivemos uma grande luta com a censura. O desafio era encontrar uma peça que fosse uma metáfora, que estivesse falando do Brasil daquele momento, com a plateia, mas, ao mesmo tempo, tinha que ser alguma coisa que eles não pudessem proibir. Foi uma grande luta de criatividade que tivemos naquele tempo da ditadura.”
Jornal de Teatro – Você se formou em Direito e, logo depois, estreou profissionalmente como ator. Chegou a exercer a profissão? Quando começou essa paixão pelo teatro?
Renato Borghi – Não exerci. A paixão começou desde criança. Eu fiz Direito assim como quem espera uma oportunidade parafazer alguma atividade artística. Eu prometi à família que me formava, mas não cheguei a exercer. Quando surgiu a primeira oportunidade para fazer teatro eu aceitei. Terminei a faculdade, me formei, mas comecei a minha carreira artística muito cedo, com 20 anos.
JT – É verdade que você quis seguir a carreira de cantor antes da de ator?
RB – Bem, isso foi uma coisa meio por acaso. Eu cantava no teatro e a minha vizinha de cima ficava comovida. Um dia, ela me convidou para tomar chá na casa dela (ela estava com visitas) e eu fui lá cantar, porque nunca tive muita vergonha na cara mesmo (risos). Quando terminei de cantar, tinha um homem lá que eu não conhecia. Um homem importantíssimo, João Campo de Magalhães, que foi o homem que lançou o Agnaldo Rayol e outros cantores. Ele falou: você está contratado, amanhã esteja na boate Cave. Você vai ensaiar com a minha orquestra durante quatro meses e depois vai gravar um disco na Phillips. Aí comecei a ensaiar com a orquestra, mas, enquanto eu ensaiava, estudava a voz com a mãe da Nydia Lícia, que era esposa do Sérgio Cardoso. Eles tinham uma companhia muito importante, que ocupava o teatro da Bela Vista, e estavam fazendo uma peça que era um grande sucesso. Minha professora, que era a mãe da Nydia, falou: ‘Renato, porque a gente não vai se apresentar para a orquestra para tentar o papel principal da peça “Chá de Simpatia”, para o Rio de Janeiro, porque o ator que faz em São Paulo vai deixar o papel e abrir uma firma de contabilidade.’
JT – E você foi?
RB – Fui e ganhei o teste entre uns 50 candidatos.
JT – Foi a sua estreia como profissional?
RB – Foi a minha estreia no Teatro Copacabana, no Rio de Janeiro. Tinha 20 anos. Aí voltei para São Paulo para terminar a faculdade e foi nessa volta que, já no terceiro ano do curso de Direito, conheci o Zé Celso (Martinez Correa). Começamos a firmar uma afinidade muito grande. Falávamos de teatro, discutíamos teatro, tínhamos reuniões sobre teatro, etc. Até que ele escreveu uma peça para o grupo amador Oficina. Escreveu a primeira, logo depois a segunda e nós fomos fazendo teatro amador até terminar a faculdade. Quando terminamos, fizemos um juramento de nos profissionalizarmos. Conseguimos até construir uma sede e até hoje o Oficina está lá. Conseguimos então, fazer nosso primeiro teatro profissional, que começou em 1961.
JT – Você considera importante que um artista passe por outras funções dentro de um espetáculo?
De alguma forma, trabalhar como autor te fez um dramaturgo melhor ou vice-versa?
RB – Não sei. Eu escrevo seguindo a inspiração. Escrevi umas cinco peças mais ou menos. Duas delas são muito premiadas: “O Lobo de Ray-ban”, na versão masculina (agora está estreando a Loba) e “Decifra-me ou devoro-te”, que também foi bastante premiada. Eu passo cerca de dez anos sem escrever nada. Só escrevo quando vem inspiração.
JT – Falando em premiação, que importância você dá para os prêmios que ganhou?
RB – Na época em que eu os ganhei, eles eram muito importantes, pois ganhei o prêmio máximo da época, que era o Moliére, e já havia ganhado dois antes, como ator. Então, já eram três prêmios Moliére: dois como ator e um como autor.
JT – Uma vez você falou que as pessoas costumam pensar que todas as suas obras se referem à sua vida pessoal, ou seja, que você se inspira em sua vida para compor. Que tipo de semelhança as pessoas veem? Por que pensam isso?
RB – Mania. É porque eu escrevo sobre os bastidores de teatro, sobre a vida das pessoas de teatro. Escrevo muito sobre a vida interior do teatro. Acho que é por isso que as pessoas pensam que eu estou escrevendo sobre a minha pessoa.
JT – Você contracenou com sua sobrinha na peça “Cadela de Vison”, ano passado. Essa “veia teatral” existe em mais alguém da família? Foi a primeira vez que contracenaram juntos?
RB – Não. Eu acho que só eu e ela. Foi a primeira peça que fizemos juntos.
JT – Nesses 51 anos de carreira, qual o momento você considera o mais marcante?
RB – Foi quando fiz o “Rei da Vela”, de Oswald de Andrade, com direção do Zé Celso Martinez Correa. Acho que é o ponto que eu realmente me tornei um ator completo.
JT – A parceria com Miriam Mehler parece bastante sólida. Como é a relação de vocês?
RB – Nós trabalhamos muito. A Miriam foi contratada do grupo Oficina durante muito tempo, então nós fizemos várias peças juntos como “Os Pequenos Burgueses”, “Quatro num Quarto” e, finalmente, um casal que fez um sucesso no teatro em “Andorra”, na qual interpretávamos um casal romântico.
JT – Recentemente ela concedeu uma entrevista ao Jornal de Teatro e revelou que a censura interrompeu um momento importante que acontecia no Teatro Brasileiro. Alguma peça sua foi censurada?
RB – Várias, claro! Nós tivemos uma grande luta com a censura. O desafio era encontrar uma peça que fosse uma metáfora, que estivesse falando do Brasil daquele momento, com a plateia, mas, ao mesmo tempo, tinha que ser alguma coisa que eles não pudessem proibir. Foi uma grande luta de criatividade que tivemos naquele tempo da ditadura.
JT – Você vê com otimismo a nova geração teatral, que já nasceu sem censura do Estado e com apoio de determinadas leis que não haviam no início de sua carreira?
RB – Eu vejo sim. Acho que o teatro é imortal e continuará sendo. Enxergo-o com otimismo, com esperança.
JT – Está em cartaz, em São Paulo, “A Loba de Ray-ban”, adaptação de um texto seu. Qual a diferença histórica desta para a primeira montagem? O público aceita com mais facilidade as relações propostas na peça?
RB – Eu tive a impressão de que o público aceita maravilhosamente bem. Mais do que a homossexualidade masculina, talvez porque a homossexualidade feminina seja uma coisa mais plástica, uma coisa mais bonita para o público.
JT – Mas a diferença é basicamente a inversão dos sexos?
RB – A diferença é a seguinte: eu fiz uma versão masculina e li para uma grande amiga na época, a Dina Sfat. Ela gostou da peça. Falou para mim que adoraria fazer o papel do homem e perguntou se eu não poderia escrever uma versão feminina. Pediu para que eu esquecesse a masculina e montasse a feminina. Logo depois que terminei de escrever o lobo homem, comecei a escrever a loba mulher, porque a Dina queria muito fazer, mas ela já estava com câncer e, quando terminei o trabalho, ela já não pôde mais fazer. A peça ficou esses anos todos na gaveta.
O que pode mais desejar um homem já consagrado naquilo que ama? O que pode mais desejar um ator com recordes de público na sua carreira? Foram basicamente estas perguntas que logo me surgiram quando eu soube que entrevistaria Marcos Caruso. O que seriam, a princípio, duas páginas dedicadas a ele, se tornaram três – por conta da simpatia, da disponibilidade e, mais do que tudo, da coragem deste homem do teatro em abrir o seu coração. Nesta longa entrevista, o ator e dramaturgo fala, bem à vontade, dos mais diversos temas comuns a todos os cidadãos brasileiros: da era das “celebridades”, do consumismo desenfreado, de uma sociedade aprisionada e, é claro, da política e da inércia da população frente ao seu cenário atual. Como não poderia deixar de ser, Marcos Caruso fala, também, do teatro brasileiro: disserta sobre seus 36 anos de profissão, seus grandes sucessos (como “Trair e Coçar, é Só Começar”), suas parcerias, a questão do patrocínio teatral, e “As Pontes de Madison”, espetáculo que protagoniza atualmente ao lado de sua grande companheira (e ex-mulher) Jussara Freire.
Jornal de Teatro – Como e quando foi seu primeiro contato com o teatro?
Marcos Caruso – Quando ainda era criança. Minha mãe morreu quando eu tinha dez dias de vida e fui criado, em parte, pela a minha avó, que me deu um boneco de fantoche. Desde aquele momento, comecei a criar historinhas, a fazer o meu teatrinho.
JT – Você é formado em direito. Por que essa escolha? Realmente pensava em trabalhar na área?
MC – Meu pai me aconselhou a ter um diploma, caso minha vida de ator não desse certo. Então, escolhi direito como o meu plano B. Imaginei que com o direito eu poderia, no mínimo, representar nos tribunais, acusando ou defendendo um réu.
JT – E como foi a reação da sua família?
MC – Meu pai reagiu numa boa. Ele viu que era aquilo que eu realmente queria fazer e me apoiou. Não houve problema algum.
JT – Muita gente costuma criticar a nova geração de atores, já que muitos “caem de paraquedas” na profissão como “celebridades”. Qual a sua opinião a respeito dessa nova geração?
MC – É exatamente contrária. As pessoas que “caem de paraquedas” também são muito bem-vindas. Quem não tem talento não resiste ao teatro. A seleção natural vai automaticamente se encarregar de cortar do meio aquele que não tem talento. Veja, por exemplo, esse talento que é a Grazi Massafera. Eu só acho uma pena porque, muitas vezes, gente de talento não tem ainda o espaço que merece.
JT – Hoje em dia está mais fácil ou mais difícil se produzir uma peça em relação à década de 1970, quando você começou?
MC – Está mais difícil. Os donos de teatro cobram preços altíssimos, os jornais cobram fortunas para divulgar o nosso trabalho e os próprios técnicos e profissionais da área pedem valores altíssimos. Por quê? Porque ninguém produz sem patrocínio. Então, na medida que se tem um patrocínio, todo mundo eleva o seu preço e se torna impossível fazer uma produção sem patrocínio hoje em dia.
JT – Então, como você tem agido?
MC – Eu sou uma exceção. Tenho grandes sucessos na minha carreira. Tenho três peças de seis anos em cartaz, tenho duas peças de sete anos em cartaz, tenho uma peça de 23 anos. Eu nunca, na minha vida profissional, fiquei no teatro menos de nove meses em cartaz. Eu sempre fui um ator de muita sorte por ter feito muito sucesso. De todas as peças que fiz, que foram mais de 30, tive patrocínio em quatro (foram essas últimas que fiz). Eu sempre fui um homem que produzi com o meu dinheiro, produzia com o dinheiro que eu ganhava do teatro. Eu investia no teatro aquilo que eu recebia do teatro. E não só eu, muita gente fez isso: Antônio Fagundes, Marco Nanini, Paulo Goulart, Othon Bastos, Eva Wilma, Raul Cortez, Irene Ravache, Juca de Oliveira... Muita gente fez isso durante muitos anos. Estiveram sempre em cartaz colocando dinheiro do próprio bolso no teatro. Hoje em dia mudou, pois as regras mudaram. E mudaram, acho, para pior.
JT – Falta incentivo público? Como você vê as iniciativas do poder público para o teatro?
MC – Existem algumas coisas interessantes. Algumas leis que são interessantes, como a lei de fomento da Prefeitura de São Paulo. Mas acho que o teatro tem de ser patrocinado de uma outra forma, embora isso resulte em uma discussão enorme. Acho que, hoje, está mais difícil. Em “Operação Abafa”, que ficou quase dois anos e três meses em cartaz, produzimos com R$ 50 mil, então é possível. Em São Paulo ainda existem muitos grupos que conseguem sobreviver assim, mas acho que o dinheiro tem sido usado para poucos e, muitas vezes, dado àqueles que não precisam.
JT – Acredita que hoje em dia a pessoa precisa ter uma imagem atrelada à TV para conseguir patrocínio?
MC – O patrocinador exige que essa pessoa tenha uma imagem atrelada à TV. Isso é injusto para com a arte. O Mateus Nachtergaele, antes de ter ido para a Globo, fez “Livro de Jó”, um dos maiores sucessos do teatro brasileiro, e não tinha patrocínio nenhum. É um cara que hoje talvez tenha porque está na Globo. Mas, independentemente de estar com a cara na Globo, ele tem talento, só para dar um exemplo. Existem poucas empresas com sensibilidade de apoiar verdadeiramente o talento em todos os níveis – um ator, um autor ou um diretor – sem que não tenham passado pela televisão. Eu entendo que para a empresa o retorno para o seu produto deva ser maior (com ator na TV), mas ninguém garante que um ator que está na televisão leve mais público do que um que não está.
JT – Baseado me que você diz isso?
MC – Sou um exemplo disso. Tenho 36 anos de profissão e seis anos de Rede Globo. Os outros 30 anos anteriores eu sobrevivi – e muito bem – do teatro. Sobrevivi brilhantemente. Sou um nome conhecido em São Paulo devido ao que eu faço no teatro. Esses últimos seis anos da Rede Globo me deram uma projeção nacional, maior visibilidade, mas eu nunca precisei da minha imagem na televisão para levar público ao teatro e acho que poucas pessoas precisaram, graças a Deus. Hoje a mentalidade passa a ser mais consumista. Vivemos em um mundo mais capitalista do que nunca, no qual o seu produto tem que ter uma cara e, se você puder valorizar o seu produto com uma cara mais vendável, melhor. Nós não gostaríamos que fosse assim, mas as empresas praticamente exigem que alguém do seu elenco esteja na televisão. Pelo lado do mercado eu entendo, mas não entendo pelo lado da arte.
JT – “Sua Excelência, o Candidato”, de 1985, apesar de cômico, não deixa de ser uma crítica aos políticos, já naquela época. Como você enxerga a política hoje em dia? Mudou muita coisa da década de 1980 para cá?
MC – Mudou. Hoje podemos falar abertamente, vivemos uma democracia mais plena, podemos saber das falcatruas, das injustiças e dos resultados das CPIs que, na maioria das vezes, não são aquilo que a gente gostaria que fosse, mas, de qualquer forma, você tem abertura e liberdade. Acho que isso nós ganhamos. Isso o povo brasileiro conquistou: essa abertura para você falar livremente aquilo que pensa a respeito, coisa que não se falava até 1984.
JT – Você enxerga a peça como pioneira nesse sentido?
MC – “O Candidato” foi a primeira peça a falar abertamente de política e a colocar o dedo na ferida dos problemas políticos do País pós-abertura democrática. Tanto que nós ganhamos o Prêmio Molière daquele ano por conta da contundência daquele espetáculo, um prêmio que nunca tinha sido dado para autores de comédia. Depois disso, a Jandira Martini e eu escrevemos várias outras peças e colocamos o dedo na ferida de problemas, além de políticos, sociais e econômicos do País. Assim foi “Jogo de Cintura” (1989), “Porca Miséria” (1993), e, recentemente, “Operação Abafa” (2004), onde nos aproveitamos de forma oportuna um momento político para, através da comédia, falarmos da tragédia que era aquele momento em que vivíamos.
JT – E como você avalia o espaço atualmente para se falar de política no teatro?
MC – Acho que tem diminuído. Como autor de comédia de costumes e como autor de um teatro político, que sou há mais de 25 anos, acho que está sumindo porque a internet é muito rápida. Você se posiciona imediatamente diante de um site, de um blog, de uma notícia que você lê... Coisa que não acontecia antes. Se você fizer um texto político no Brasil de hoje, onde o presidente da República tem 80% de aprovação, e não pegar a veia correta, você poderá ser chamado de ingênuo ou panfletário.
JT – Você vê o público um pouco desinteressado com o tema político?
MC – Totalmente. Estamos vivendo em um mundo onde as pessoas se isolaram. Não estou dizendo que sou contra ou a favor, mas a realidade de 2009 é que você se fecha em sua casa com grades, se fecha em seu carro com vidros elétricos, se fecha em seu mundo com seu celular. Quando você não quer conversar com alguém, você põe o celular na orelha, finge que está conversando com uma pessoa e se fecha em seu mundo. Seu escritório vira uma pastinha de computador. Então o ser humano foi se isolando pelas circunstâncias do momento, da vida, do meio em que estamos vivendo, da evolução tecnológica. O ser humano se isolou de tal forma que não consegue mais agir em grupo, agir coletivamente. Você, nos anos 1960, agia coletivamente, ia para as ruas. Nos anos 1970 e 1980, que foram anos de chumbo, você, de certa forma, agia coletivamente, se reunia clandestinamente ou, através de metáforas, fazia com que o seu discurso chegasse aos ouvidos das pessoas. Hoje estamos isolados.
JT – Diante da atual conjuntura, você já pensa em algum tema, algum texto político?
MC – Eu não sei qual será o próximo tema político que a Jandira e eu abraçaremos. Vamos esperar a eleição de 2010.
JT – Gostaria que você comentasse também sobre “Trair e Coçar é Só Começar”. Você imaginava, enquanto escrevia a peça, que ela poderia chegar a ser recorde absoluto de público na história do teatro brasileiro?
MC – Jamais. Acho que ninguém pensa em fazer um sucesso tão longo e, ao que me parece, eterno, porque não tem sinais de que vá terminar tão cedo. Claro que, quando eu escrevi, tinha certeza de que estava escrevendo uma comédia matematicamente feita para fazer rir de 60 em 60 segundos. É um vaudeville e você não tem como errar. É feito para o público que quer apenas rir, quer apenas o divertimento. Que a peça faria sucesso eu tinha certeza enquanto eu estava escrevendo.
JT – E por que você acha que a peça fez esse sucesso tão estrondoso?
MC – O sucesso é resultado de uma união de qualidades: um elenco estrelar e de muito talento, como foi o da estreia, um teatro bem localizado, uma bela divulgação, uma direção boa, com aquele texto... Não tem por que ela não ficar muito tempo em cartaz. Agora, um, dois, três anos, tudo bem. Quatro você fala: ‘Nossa!’. Cinco fala: ‘Ainda?’. Seis, sete, oito, fala: ‘Mas, meu Deus’. Depois de dez anos eu fui verificar, fazer uma pesquisa e descobri que a peça já estava quase chegando em sua segunda geração de espectadores. Chegou a um ponto em que, em uma roda de quatro pessoas, três já haviam assistido e a quarta, como ficava sem assunto, meio que se obrigava a ir. O “Trair e Coçar” foi visto por seis milhões de pessoas em 23 anos. Isso é uma loucura. E não é nada perto do que ele atingiria se ele passasse na televisão: seria visto por 80, 150 milhões de pessoas em uma só noite. A peça praticamente não viajou o Brasil. Ainda tem uma longa caminhada. Então, acho que vou embora um dia e “Trair e Coçar” fica.
JT – Você sempre se dá muito bem quando trabalha com mulheres (tem parceria autoral de mais de 20 anos com Jandira Martini, foi casado durante 20 anos com Jussara Freire e, como agora em “Pontes de Madison”, sempre se destacou no palco ao lado dela e, na televisão, formou dupla memorável com a Lilia Cabral em “Páginas da Vida”). Você tem mais facilidade em trabalhar com mulheres? Por que você acha que isso acontece?
MC – Você está me chamando a atenção agora para isso. Eu não tenho parcerias masculinas mesmo. Fiquei cinco anos e meio com a Irene Ravache, em “Intimidade Indecente”, trabalhei durante três anos com a Regina Duarte, em “Honra”, além de outras mulheres que participaram da minha trajetória. Eu não sei. Eu realmente nunca fiz um trabalho de dois homens no palco. Acho que é destino.
JT – E o fato de dividir cena com alguém que você foi casado durante 20 anos? A intimidade entre os atores facilita?
MC – É um presente. Sem dúvida alguma facilita. Primeiro porque nós já temos uma intimidade cênica e, obviamente, para esta peça (“Pontes de Madison”), onde o tema central é uma história de amor, é claro que você ter uma intimidade afetiva e carnal – eu sei onde pegar na Jussara, não precisamos ensaiar – só ajuda. E nós somos muito amigos. Fomos casados durante 20 anos, estamos separados há 15, mas somos grandes amigos, não ficamos mais de uma semana sem nos falar. É muito prazeroso poder dividir o palco em uma história com um tema como este, com uma mulher que eu amei e que ainda amo como minha ex-mulher e colocar isso para fora em cena. Torna-se realmente mais fácil.
JT – Como está sendo a recepção do público a “Pontes de Madison”?
MC – Impressionante. O público mais velho se emociona porque estamos contando uma história de amor na maturidade. O público com mais de 40 anos se emociona muito e o público mais jovem, de 20 a 35, reflete sobre esse amor que acontece uma vez só na vida, essa coisa única que, se você perder esse bonde, não encontra outro. Voltando ao tema da superficialidade em que vivemos, o beijante e o ficante são termos mais adequados a essa geração. E uma geração que vai ver um espetáculo onde ninguém só beija, só fica, reflete até que ponto ser beijante ou ser ficante hoje em dia é bom e até que ponto quando chegar um amor desse não vai passar por uma revisão de suas necessidades amorosas, físicas. A peça é um grande sucesso.
JT – Você acredita em finais felizes para paixões avassaladoras?
MC – Eu acho que a gente tem sempre que acreditar, porque a gente sempre espera que o nosso final seja feliz. Somos criados com finais felizes. Começa-se a história com “Era uma vez...” e termina-se sempre com “E foram felizes para sempre”. De repente a gente vê que a vida não é um sonho, não é um conto de fadas e que os finais não são necessariamente felizes, ao contrário, a maioria deles é infeliz.
JT – Já se viu como o Robert, tendo uma paixão avassaladora?
MC – Já me vi uma vez sim, mas ela não era casada (risos). Não dá para fazer um paralelo.
JT – Vocês pretendem viajar com a peça no ano que vem?
MC – Ficamos até 20 de dezembro em São Paulo e a ideia é ir para o Rio depois, fazer algumas capitais.
JT – Pretende se dedicar também à TV, ao cinema?
MC – Eu devo fazer a próxima novela das sete “Bom Dia Frankenstein”, estou escrevendo uma minissérie com a Jandira Martini, que ainda vamos apresentar à Globo, e tentando esboçar ainda um texto de teatro para 2011 ou 2012.
Sobre a peça “Pontes de Madison”:
As “Pontes de Madison”, best seller de Robert James Waller, em cartaz no Teatro Renaissance, até 20 de dezembro, trata da história de amor entre Francesca Johnson (Jussara Freire), uma mulher casada, e Robert Kincaid (Marcos Caruso), fotógrafo da revista “National Geographic” que vai até o condado de Madison, em Iowa (EUA), registrar imagens das famosas pontes cobertas. Em apenas quatro dias, Robert e Francesca passam por uma avassaladora paixão e depois vivem um longo desencontro, preenchido por raro e intenso amor. A partir deste simples encontro suas vidas se modificarão para sempre. É um romance com toques de humor. A história é contada em flashbacks, a partir da leitura dos diários de Francesca,, que revela essa passagem de sua vida, encontrados por seus filhos Carolyne (Luciene Adami) e Michael (Paulo Coronato) depois de sua morte. O drama simples e tocante discute profundos valores humanos pouco utilizados nos dias de hoje.
Ficha Técnica:
Autor: Robert James Waller
Tradução e Adaptação: Alexandre Tenório
Direção: Regina Galdino
Elenco: Marcos Caruso como Robert Kincaid, Jussara Freire como Francesca Johnson, Luciene Adami como Caroline Johnson e Paulo Coronato como Michael Johnson
Cenário: Marco Lima
Figurinos e Visagismo: Fábio Namatame
Iluminação: Ney Bonfante
Por Bruno Pacheco
Quando mudou-se do interior de Minas Gerais para São Paulo, aos 17 anos, Regina Braga carregava consigo a vontade de fugir do cenário ao qual as garotas daquela cidade eram levadas. Casar-se com um fazendeiro não passava pela sua cabeça. Tão pouco tornar-se atriz. Enquanto as amigas faziam planos para a vida ao lado de um “Rei do Gado”, Regina queria apenas ser diferente. Ir para a cidade grande era um bom começo. Cogitou, em certo momento, ser jornalista. Mas o destino lhe reservava outro caminho. O acaso a levou para os palcos. Regina formou-se pela EAD (Escola de Artes Dramáticas de São Paulo), interpretou grandes personagens, recebeu prêmios e encontrou no teatro a sua praia. Mesmo em São Paulo. No entanto, na história dos 42 anos de carreira da atriz, o acaso é mero coadjuvante. Quem a vê em cena, não tem dúvidas de que o talento e a vocação foram os seus principais norteadores. Em cartaz no Rio de Janeiro, no Sesc Ginástico, com a peça “Por um Fio” (adaptação do livro homônimo do seu marido Drauzio Varella, com quem é casada há 27 anos) – depois de temporadas de sucesso em Porto Alegre, em Belo Horizonte e em São Paulo –, Regina Braga conta ao Jornal de Teatro como é dividir com o público histórias tão pessoais. Fala, também, da experiência de vida que “Por um Fio” a proporcionou e sobre a sua nova forma de lidar com o tempo, além de relembrar momentos da carreira (diz ter apreço por todas as personagens vividas) e demonstra insatisfação e desânimo com a Lei Rouanet. “É muita burocracia, isso não incentiva”, desabafa.
Jornal de Teatro – Quando surgiu o interesse pelas artes dramáticas?
Regina Braga – Desde pequena fiz teatro amador. Daí, fui morar em São Paulo e fiz um exame na EAD. Na época, fui na empolgação, pois todas as minhas amigas fizeram. Fui despretensiosamente e acabei sendo aprovada. Eu ainda não sabia muito o que queria fazer da vida, mas entrei na escola e fiquei. Acho que eu tinha jeito para a coisa.
JT – Sua estreia profissional foi em “A Escola de Mulheres”, de Molière, dramaturgo responsável por inserir a mulher no teatro. Hoje, qual o papel da mulher no teatro? Ainda existe preconceito nesta área?
RB – As mulheres são importantíssimas. Atualmente, existem muito mais boas atrizes de teatro do que atores. O Brasil é farto de grandes atrizes. Sobre preconceito, nunca houve. O teatro é muito democrático.
JT – Você fazia parte do núcleo 2 do Teatro de Arena quando encenou o texto de Molière. Como foi fazer parte do Teatro de Arena?
RB – Eu fiz apenas a peça “A Escola de Mulheres” com o núcleo. Viajei um pouco com ela e depois saí. Mas foi um momento importante para quem estava começando.
JT – Em 2001, você ganhou o APCA de melhor atriz com “Um Porto para Elisabeth Bishop”. Esta foi a sua melhor atuação?
RB – Ganhei muitos prêmios (nota da redação: entre estes, dois prêmios Molière; um por “Chiquinha Gonzaga, ó abre alas”; e outro por “Uma relação tão delicada”). Mas todos os meus personagens são especiais. Minha atuação em “Uma relação tão delicada” foi muito marcante. Gostei muito de encená-la, a Bishop também foi ótimo interpretar. Tenho carinho por tudo que faço.
JT – Você interpretou mulheres de grande importância histórica, como Chiquinha Gonzaga. O que essas mulheres deixaram na mulher Regina Braga?
RB – Foi o máximo interpretá-las. São pessoas que vale a pena se aprofundar. Fiquei muito perto delas. Foi importantíssimo viver Bishop e Chiquinha para conhecer o universo carioca, pois as duas eram cariocas. Mulheres muito interessantes. Bishop, por exemplo, morou em Petrópolis. Fiquei muito íntima delas. Pelo fato de eu morar em São Paulo, fazê-las e conhecê-las melhor foi uma convivência enriquecedora. Pude, também, conhecer mais do Rio de Janeiro.
JT – É mais difícil se consagrar no teatro ou na televisão?
RB – Acredito que não há regra. Com cada pessoa é de um jeito. Comigo foi através do teatro. Comecei sem pretensões e dei muito certo. Quando voltei da Europa (n.r.:Regina fez estágios na França) fiz três peças e fui premiada. Isso me deu entrada no universo e me fortaleceu. Não parei mais. Não tinha muita vontade de ficar no teatro, mas aconteceu. O fato de morar em São Paulo dificultou a minha entrada na televisão. Na década de 1970, todas as emissoras estavam concentradas no Rio de Janeiro e eu não podia morar no Rio. Cheguei a receber convites na época, mas esse fator dificultou. Por outro lado, conquistei, em São Paulo, meu espaço no teatro.
JT – Nos palcos, o que gostaria de fazer e que ainda não fez?
RB – Estou muito desanimada no teatro com a questão da produção. A burocracia hoje em dia é muito grande. Isso me cansa. Conseguir uma renovação na Lei Rouanet, por exemplo, é muito complicado. Isso desanima. Tenho vontade de fazer uma peça grega, mas, só de saber todo o trabalho que dá para conseguir verba, acabo broxando. Quando me vem uma vontade eu a abafo e penso duas vezes, pois dá muito trabalho e corre-se o risco de, quando estiver pronto, não conseguir patrocínio. Queria muito fazer a Bishop novamente, pois foi um sucesso. Mas tem muitos entraves para se renovar com a Rouanet. São várias etapas e critérios sem porquês.
JT – O teatro é a sua praia? É o espaço que mais te completa como atriz?
RB – É sim, mas não se trata de algo ideológico. Minha familiaridade com o teatro é muito antiga. Eu não tinha nenhuma pretensão de ser atriz, morava em uma cidadezinha do interior, perto do Mato Grosso, e ser artista não fazia parte do repertório de quem morava lá. As minhas amigas se preparavam para casar com fazendeiro. Eu queria ser jornalista, pois, na minha cabeça, poderia fazer coisas bacanas. Queria sair do interior, mas não tinha possibilidade. Mesmo assim, sempre fui ligada à arte. Dançava e atuava nas peças da escola. Quando me mudei para São Paulo queria apenas sair do interior. Em São Paulo, descobri a EAD e, conforme ficava lá, tinha a sensação de um mundo novo, de portas se abrindo. Fiquei amiga de atrizes e achei o ambiente de teatro muito bom, queria ficar perto desse universo. Eu achava os artistas muito bacanas. Isso me conduziu ao teatro. Daí, fui ficando e estou até hoje. E ainda continuo achando os artistas ótimos.
JT – Atuar em “Por um fio” é uma experiência muito pessoal, dolorida (Regina é casada com Drauzio Varella, autor do livro, há 27 anos)?
RB – Tem muita proximidade. Afinal, no livro, sou citada algumas vezes. Mas isso não poderia ser levado para o palco. Não era o propósito. Foi muito complicado no começo.
JT – Durante a peça, é possível sentir uma carga de emoção diferente na sua atuação. Isso tem a ver com a sua proximidade com as histórias contadas, como a de Fernando, irmão do seu marido?
RB – Quando começamos os ensaios, eu não conseguia fazer a leitura do texto sem chorar. Mas, com o tempo, a direção me conduziu para um distanciamento (n.r.: a direção da peça é de Moacir Chaves). A partir daí, passei a me relacionar com o texto pelo ritmo, como se ele fosse uma canção. Hoje, depois das três temporadas, a emoção deixou de ser pessoal. Esse espetáculo me proporcionou a oportunidade de aprender a depurar meus sentimentos. Aprendi a ser mais racional. Outro detalhe importante é a minha relação com os gestos. Aprendi a não usar os gestos de forma banal, mecânica. Os gestos são muito marcantes em “Por um Fio”.
JT – Vocês pensaram em contar as outras histórias do livro, fazer roteiros diferentes para cada apresentação?
RB – Sim. Seria muito interessante, pois o livro tem outras histórias belíssimas. Mas não daria para inserir no meio da temporada, seria complicado. O tempo não permitiu também. Era uma ótima ideia.
JT – Tony Ramos classificou “Por um fio” como um espetáculo abençoado, por se tratar de um tema tão duro de forma terna e sem parecer piegas. Você tem medo da morte?
RB – Tenho sim. E quem no fundo não tem? A reflexão sobre isso ajuda você a melhorar, a ser mais objetivo em relação ao seu tempo presente. Quando você passa a enxergar limites no tempo você pensa melhor no que é fundamental para você. A valorização da vida e da saúde bateu muito forte para mim. Na verdade, ninguém está completamente preparado para a morte, mas para a vida, de certa forma, sim. A peça deixa aquela obrigação de ir direto ao que é importante na vida, ir de encontro ao fundamental.
JT – Quais são seus próximos projetos?
RB – Tenho alguns projetos em mente sim, mas prefiro não falar antes para não criar muitas expectativas. Mas volto a dizer, a realidade burocrática atrapalha, cansa. Penso muito antes de iniciar um novo projeto por conta disso. Talvez este seja um bom momento para dar um tempo. Quem sabe fazer um trabalho na televisão?