No final do ano passado, o consagrado ator Sérgio Mamberti, 70 anos, assumiu a presidência da Funarte (Fundação Nacional de Arte) com o objetivo de ampliar a reestruturação do órgão e reafirmar sua relevância no cenário artístico brasileiro. Nesta entrevista ao Jornal de Teatro, ele tenta dar um resumo do que foi o seu primeiro ano de gestão e não tem receio de afirmar que ainda há muitas pendências a serem resolvidas, principalmente em relação ao orçamento. Sérgio, em quase uma hora e meia de conversa, falou sobre os diversos projetos da fundação e sobre seus objetivos para 2010, como a mudança da sede da Funarte para Brasília e a ampliação do debate sobre a Nova Lei Rouanet.
Em toda a minha carreira dediquei uma parte bem considerável do meu tempo na construção dessas políticas para termos um Ministério da Cultura
eficiente. Muita gente envolvida na pasta também é artista. Temos um olhar mais caloroso e uma visão mais diferenciada de todos esses projetos
Jornal de Teatro – Quais as expectativas e objetivos da Funarte para o ano que vem?
Sérgio Mamberti – Quanto ao orçamento, temos a expectativa de trabalhar com mais folga em relação a 2009. A Funarte, porém, possui demandas que têm sido objeto das políticas públicas que temos implementado. Sabemos que, na medida em que criarmos novas possibilidades, a procura também crescerá. Isso significa que ainda existe insuficiência para tudo o que queremos desenvolver. Por isso que o ministro da Cultura, Juca Ferreira, tem se movimentado pela PEC 150 (que eleva o patamar do orçamento da pasta) e pela aprovação da Nova Lei Rouanet. Na verdade, nessa gestão desenvolvemos um trabalho de recuperação da Funarte, um órgão muito importante desde 1975, principalmente na área de música e das artes visuais, que se tornaram uma marca de aprofundamento de políticas específicas para essa área.
JT – Como seria esse “trabalho de recuperação?
SM – Há tempos o setor precisava de uma reformulação. Sei disso porque, em 1989, participei da campanha do Lula e já sabia que o ministério precisava de uma reestruturação, de recursos que atendessem às novas demandas. Os campos da arte cresceram muito, mas sem essa estrutura que pudesse acompanhar tal desenvolvimento. Veio o Collor, porém, e o ministério foi dissolvido. Teve uma reconstrução formal depois, com Itamar Franco e Fernando Henrique. A verdadeira reconstrução do ministério se deu, entretanto, com a Lei Rouanet, que foi muito importante neste processo. Nesse período, no entanto, a Funarte perdeu muitos funcionários importantes e teve que contar com terceirizados para se reconstruir e funcionar a contento. Tudo isso enfraqueceu o órgão. Nesses últimos dois anos, passamos por uma série de etapas. O último presidente havia sido o Celso Frateschi. De certa maneira, ele tentou trabalhar no sentido de reformulação da Funarte, mas houve um descompasso de funções, o que criou uma instabilidade interna e também externa.
JT – Como assim?
SM – O Celso foi embora e eu assumi o órgão em um clima de certa comoção. A gente tentaria, nesses dois anos, criar uma nova base para uma nova Funarte. A ideia era trabalhar a nossa relação com os servidores e com a sociedade a partir de contos e conversas, seguindo um sentido grande de reestruturação. Desde então, nomeei uma nova diretoria, que trabalha colegialmente. Durante o primeiro semestre, executamos os prêmios que foram da gestão anterior e também lançamos os editais para este ano. Tivemos, em um primeiro momento, para cada uma das áreas, o equivalente a R$ 18 milhões. O ministro dobrou os investimentos nesses editais. Criou um novo alento e as pessoas ficaram felizes que os recursos desse ano foram bem mais robustos, o que não refresca muito.
JT – Por quê?
SM – O número de projetos é imenso e ainda não conseguimos premiar todos. Para as necessidades, pelo que temos, ainda é muito pouco. A perspectiva do Plano Nacional de Cultura e do Sistema Nacional de Cultura, portanto, é fundamental para que tenhamos uma política de cultura que atenda os nossos objetivos. Sobre o projeto de reestruturação, espero que vá para o Congresso Nacional e seja votado ano que vem. Quero trabalhar em uma nova estrutura. Espero que a Funarte seja mais responsável pela política pública das artes. No próximo ano, vamos trabalhar em um terreno mais institucionalizado. O projeto de reestruturação, de fato, lida com técnicas de gestão. É parte de uma ampla consulta dentro da própria Funarte, através dos diretores e coordenadores de cada um dos centros no sentido de percebermos quais são as funções do órgão. O objetivo, certamente, é de fomento e difusão não no sentido de formação, mas no de capacitação técnica. Valorização e qualificação profissional e artística de todas as áreas. Isso é que é importante para a nossa pasta, pois fortalece os campos em que o órgão vai atuar. A gente, então, faz uma estimativa em cima disso e realiza uma reorganização administrativa. Cada área contará com cargos que venham exatamente atender às missões que cada área desenvolverá.
JT – Como analisa este seu primeiro ano na presidência da Funarte?
SM – Conseguimos mais verbas. Houve um reconhecimento das áreas. Só que ainda temos que avançar muito mais. Vimos a desproporção entre o número de pessoas que participaram e as que foram efetivamente premiadas. Trabalhamos legal e temos uma equipe bastante unida. Possuímos boas perspectivas de futuro. Fizemos muitas conferências setoriais, que irão alimentar o Plano Nacional de Cultura e desembocar na Segunda Conferência Nacional de Cultura, a ser realizada no ano que vem. No final, tudo desembocará no Sistema Nacional de Cultura e no Sistema Nacional de Informações Culturais. Fazem parte de medidas que irão desenvolver o setor. Com todas as instâncias funcionando, começamos a ter um novo patamar de trabalho. Na Funarte, o Cepin (Centro de Programas Integrados) lançará um grande portal das artes que irá estabelecer todo um ambiente cultural com a sociedade. Temos um grande acervo no Cedoc (Centro de Documentação e Informação em Arte), que iremos colocar à disposição desse portal eletronicamente.
JT – Fale um pouco sobre a ideia do Vale Cultura.
SM – O Vale Cultura é outro ponto que faz parte da nossa luta para fortalecer as ações públicas da Funarte. Com este projeto, as pessoas poderão injetar verba em ingressos para museus, shows e teatros. Sabemos das pesquisas que o ministério tem divulgado sobre cidadania e cultura e todos temos noção que essa relação não é tão eficaz no Brasil. O Vale Cultura mexerá com R$ 600 milhões por mês, sendo R$ 7 milhões por ano. Isso mostra a significância do Vale Cultura, que já está no Congresso para ser aprovado. Enfim, pesquisas têm sido feitas sistematicamente para que possamos ter uma noção clara do impacto cultural na economia de um País de um projeto como esse. Precisamos ter uma consciência da cultura como centro de desenvolvimento.
JT – O que falta para ser aprovada a Nova Lei Rouanet?
SM – A Nova Lei Rouanet tem algumas questões que ainda precisam ser aplainadas no Ministério da Fazenda. Depois que sair da Casa Civil, aí começam os debates no Congresso. O importante da lei são os fundos setoriais, com os investimentos já definidos para cada área, e também as condições criadas com os editais para quem quiser ter acesso a esse fundo, ou seja, condições objetivas da sociedade participar objetivamente. Só 20% dos projetos que são aprovados conseguem captação. Essa correção que está sendo feita é importante porque o teto da lei é de R$ 1,5 bilhão. Teríamos pelo menos R$ 800 milhões para investimentos.
JT – Alguns veículos de imprensa fizeram severas críticas à Nova Lei Rouanet. Um jornal publicou um editorial em que alertava para o risco de “dirigismo cultural...
SM – Se tem uma coisa que o governo tem trabalhado é no sentido de uma democratização das políticas públicas. Criar incentivo à participação. Você dizer que é dirigismo cultural usar parte dos recursos da lei que serão distribuídos por editais é algo meio sem sentido. Isso já aconteceu em outras questões. Apenas quando há interesses atingidos é que aparece esse tipo de interpretação da nossa política. A resposta da sociedade é bem diferente. Temos a informação que 50% dos municípios brasileiros fizeram conferências municipais de cultura. A sociedade já mostrou que quer fazer parte desse processo. A participação se dá através de fóruns, colegiados e câmeras setoriais. Todas essas políticas estão sendo desenvolvidas dentro de um consenso. Dirigismo cultural está no predomínio que alguns grupos possuem atualmente.
JT – Como está o Projeto Carequinha?
SM – O circo sempre fez parte das preocupações deste governo. Sempre quisemos criar um diálogo maior com o circo. Já avançamos bastante. O circo tem um papel importante porque é itinerante e esses pequenos circos vão a pequenos municípios. Só que a situação desses grupos pequenos é dramática. Ainda estamos longe de atingir o resultado que esperamos. A questão do problema da utilização dos animais do circo, por exemplo, é muito polêmica. Uma posição achando que os animais não podem mais fazer parte do circo e outra de que sim, devem continuar os animais, desde que com regulação, como acontece na Europa. Essa é uma discussão grande e todas as áreas ligadas ao meio ambiente se manifestam de maneira muito preocupada com a questão. Há uma posição direta de muitos para pura e simplesmente acabar com os animais no circo. Por outro lado, quando o Peão de Boiadeiro continua, a Farra do Boi, o adestramento de animais... Não se fala disso. Se existe a possibilidade de os animais serem adestrados e prestarem serviços, porque não podem os animais no circo pela mesma situação... Essa é a minha opinião pessoal, só que o ministério tem uma posição equidistante. O órgão entende a importância dos animais em circos, mas não pode desconsiderar que a regulação é algo importante.
JT – Quais os planos da Funarte para o teatro?
SM – O teatro é uma das artes mais vivas. Tenho 50 anos de teatro e vi a área crescer enormemente, mesmo com ausência de políticas que a contemplassem com planejamento. Toda a economia de teatro passou por um processo que criou situação e gargalos complicados. Hoje em dia, por exemplo, a bilheteria é uma referência. Se você não tem verbas para mídia e aluguel de teatros (patrocínios são importante nesse ponto), sempre temos uma situação em que a sustentabilidade não está garantida. Precisamos caminhar para uma sustentabilidade do setor que permita que os aportes sejam apenas um complemento. Não pode haver essa dependência tal que sem esses aportes é praticamente impossível (principalmente no grande mercado) desenvolver um projeto. Precisamos avançar bastante. O teatro já avançou bastante. Tem que ter uma visão que não precisa ser mais fragmentada. Fica todo mundo brigando internamente por específicas faixas de mercado. Em vez de criar uma unidade, cria-se uma concorrência em um plano que não contribui para que tenhamos uma visão integrada e que permita que tenhamos um pleno desenvolvimento que respeite essa diversidade. A harmonização faz parte dos planos da Funarte.
JT – Quando assumiu a Funarte, o senhor estabeleceu os seguintes objetivos: fortalecer as diretorias e trabalhar de forma compartilhada, além se ser criada uma diretoria colegiada. Esses objetivos foram alcançados?
SM – Na diretoria, cada uma das áreas faria seus projetos e dentro dos princípios estabelecidos harmonizaríamos isso. Tem funcionado sim. Na verdade, só compreendo a arte com esse caráter de colegiado. Fomos construindo políticas e nas secretarias em que fiz parte eu sempre trabalhei de forma colegiada, com todos fazendo a sua parte de maneira integrada. De fato, o servidor precisa estar envolvido, com reuniões periódicas e apresentação de resultados. Isso funciona do ponto de vista interno e externo. No primeiro ano já conseguimos uma grande aproximação e indicadores de que começamos a ter resultados com esse modo de trabalho.
JT – No que sua experiência como ator pode ser útil para a Funarte?
SM – Esse é um ministério de artistas. Sempre trabalhei em políticas públicas para cultura. Trabalhei na fundação do PT. Em toda a minha carreira dediquei uma parte bem considerável do meu tempo na construção dessas políticas para termos um Ministério da Cultura eficiente. Muita gente envolvida na pasta também é artista. Temos um olhar mais caloroso e uma visão mais diferenciada de todos esses projetos.
JT – Acredita que seus contatos no meio são essenciais para o diálogo com a classe artística?
SM – O diálogo tem sido bastante rico. Não só a níveis de fóruns setoriais, mas também com reuniões. Existe um diálogo com todas as áreas. Muitas vezes há ainda demandas e críticas que vão sendo absorvidas nesse processo, mas são enriquecedoras no sentido do trabalho que fazemos. Às vezes é mais agitado... Nos editais há sempre uma margem de pessoas que reclamam que não foram contempladas. Em todo o trabalho que fazemos recebemos críticas e isso funciona para sabermos o porquê das críticas. Quando elas são objetivas, incorporamos no processo. O diálogo é fundamental em uma gestão compartilhada.
JT – Como analisa essa mudança para Brasília da Funarte?
SM – Já temos um espaço. Deveria ter ocorrido em novembro deste ano, mas será no início do ano que vem. O corpo permanece no Rio de Janeiro, mas vamos levar a Funarte mais para perto do centro de direções. Havia uma crítica de investimentos da fundação só no Rio e em São Paulo. Na verdade, não se dá de forma tão uniforme.... Só que isso criou condições para que tenhamos da Funarte uma visão muito mais nacional. Com sede no Planalto, isso criará uma centralidade no coração político do País. A Funarte faz parte do sistema federal. Do ponto de vista de cultura, ela faz parte do Ministério da Cultura e todos os outros órgãos da pasta, ou quase todos, têm uma sede em Brasília. É fundamental que a Funarte também tenha sua centralidade. Estou convencido que poderemos fazer essa mudança de maneira bem feira. Já temos espaço e móveis e acredito que, até março, conseguiremos realizar essa alteração.
O teatro é uma das artes mais vivas.
Tenho 50 anos de teatro e vi a área
crescer enormemente, mesmo com
ausência de políticas de planejamento. Toda a economia de teatro passou por
um processo que criou uma situação
e gargalos complicados