Por Liliane Ribeiro, redação Florianópolis
Consagrado no teatro brasileiro, Renato Borghi possui mais de 50 anos de carreira como ator – mas esta é apenas uma de suas facetas artísticas. Além de produtor e diretor, seu trabalho como autor é encenado e adaptado todos os anos, como acontece em São Paulo com a montagem “A Loba de Ray-ban”. Apaixonado pelo teatro desde criança, Borghi foi um dos responsáveis pela diversificação da cena teatral no Brasil e é um dos nomes presentes no início do Teatro Oficina, na década de 1960. Nos anos de chumbo da ditadura militar, enfrentou a censura com suas “peças metafóricas”.
“Nós tivemos uma grande luta com a censura. O desafio era encontrar uma peça que fosse uma metáfora, que estivesse falando do Brasil daquele momento, com a plateia, mas, ao mesmo tempo, tinha que ser alguma coisa que eles não pudessem proibir. Foi uma grande luta de criatividade que tivemos naquele tempo da ditadura.”
Jornal de Teatro – Você se formou em Direito e, logo depois, estreou profissionalmente como ator. Chegou a exercer a profissão? Quando começou essa paixão pelo teatro?
Renato Borghi – Não exerci. A paixão começou desde criança. Eu fiz Direito assim como quem espera uma oportunidade parafazer alguma atividade artística. Eu prometi à família que me formava, mas não cheguei a exercer. Quando surgiu a primeira oportunidade para fazer teatro eu aceitei. Terminei a faculdade, me formei, mas comecei a minha carreira artística muito cedo, com 20 anos.
JT – É verdade que você quis seguir a carreira de cantor antes da de ator?
RB – Bem, isso foi uma coisa meio por acaso. Eu cantava no teatro e a minha vizinha de cima ficava comovida. Um dia, ela me convidou para tomar chá na casa dela (ela estava com visitas) e eu fui lá cantar, porque nunca tive muita vergonha na cara mesmo (risos). Quando terminei de cantar, tinha um homem lá que eu não conhecia. Um homem importantíssimo, João Campo de Magalhães, que foi o homem que lançou o Agnaldo Rayol e outros cantores. Ele falou: você está contratado, amanhã esteja na boate Cave. Você vai ensaiar com a minha orquestra durante quatro meses e depois vai gravar um disco na Phillips. Aí comecei a ensaiar com a orquestra, mas, enquanto eu ensaiava, estudava a voz com a mãe da Nydia Lícia, que era esposa do Sérgio Cardoso. Eles tinham uma companhia muito importante, que ocupava o teatro da Bela Vista, e estavam fazendo uma peça que era um grande sucesso. Minha professora, que era a mãe da Nydia, falou: ‘Renato, porque a gente não vai se apresentar para a orquestra para tentar o papel principal da peça “Chá de Simpatia”, para o Rio de Janeiro, porque o ator que faz em São Paulo vai deixar o papel e abrir uma firma de contabilidade.’
JT – E você foi?
RB – Fui e ganhei o teste entre uns 50 candidatos.
JT – Foi a sua estreia como profissional?
RB – Foi a minha estreia no Teatro Copacabana, no Rio de Janeiro. Tinha 20 anos. Aí voltei para São Paulo para terminar a faculdade e foi nessa volta que, já no terceiro ano do curso de Direito, conheci o Zé Celso (Martinez Correa). Começamos a firmar uma afinidade muito grande. Falávamos de teatro, discutíamos teatro, tínhamos reuniões sobre teatro, etc. Até que ele escreveu uma peça para o grupo amador Oficina. Escreveu a primeira, logo depois a segunda e nós fomos fazendo teatro amador até terminar a faculdade. Quando terminamos, fizemos um juramento de nos profissionalizarmos. Conseguimos até construir uma sede e até hoje o Oficina está lá. Conseguimos então, fazer nosso primeiro teatro profissional, que começou em 1961.
JT – Você considera importante que um artista passe por outras funções dentro de um espetáculo?
De alguma forma, trabalhar como autor te fez um dramaturgo melhor ou vice-versa?
RB – Não sei. Eu escrevo seguindo a inspiração. Escrevi umas cinco peças mais ou menos. Duas delas são muito premiadas: “O Lobo de Ray-ban”, na versão masculina (agora está estreando a Loba) e “Decifra-me ou devoro-te”, que também foi bastante premiada. Eu passo cerca de dez anos sem escrever nada. Só escrevo quando vem inspiração.
JT – Falando em premiação, que importância você dá para os prêmios que ganhou?
RB – Na época em que eu os ganhei, eles eram muito importantes, pois ganhei o prêmio máximo da época, que era o Moliére, e já havia ganhado dois antes, como ator. Então, já eram três prêmios Moliére: dois como ator e um como autor.
JT – Uma vez você falou que as pessoas costumam pensar que todas as suas obras se referem à sua vida pessoal, ou seja, que você se inspira em sua vida para compor. Que tipo de semelhança as pessoas veem? Por que pensam isso?
RB – Mania. É porque eu escrevo sobre os bastidores de teatro, sobre a vida das pessoas de teatro. Escrevo muito sobre a vida interior do teatro. Acho que é por isso que as pessoas pensam que eu estou escrevendo sobre a minha pessoa.
JT – Você contracenou com sua sobrinha na peça “Cadela de Vison”, ano passado. Essa “veia teatral” existe em mais alguém da família? Foi a primeira vez que contracenaram juntos?
RB – Não. Eu acho que só eu e ela. Foi a primeira peça que fizemos juntos.
JT – Nesses 51 anos de carreira, qual o momento você considera o mais marcante?
RB – Foi quando fiz o “Rei da Vela”, de Oswald de Andrade, com direção do Zé Celso Martinez Correa. Acho que é o ponto que eu realmente me tornei um ator completo.
JT – A parceria com Miriam Mehler parece bastante sólida. Como é a relação de vocês?
RB – Nós trabalhamos muito. A Miriam foi contratada do grupo Oficina durante muito tempo, então nós fizemos várias peças juntos como “Os Pequenos Burgueses”, “Quatro num Quarto” e, finalmente, um casal que fez um sucesso no teatro em “Andorra”, na qual interpretávamos um casal romântico.
JT – Recentemente ela concedeu uma entrevista ao Jornal de Teatro e revelou que a censura interrompeu um momento importante que acontecia no Teatro Brasileiro. Alguma peça sua foi censurada?
RB – Várias, claro! Nós tivemos uma grande luta com a censura. O desafio era encontrar uma peça que fosse uma metáfora, que estivesse falando do Brasil daquele momento, com a plateia, mas, ao mesmo tempo, tinha que ser alguma coisa que eles não pudessem proibir. Foi uma grande luta de criatividade que tivemos naquele tempo da ditadura.
JT – Você vê com otimismo a nova geração teatral, que já nasceu sem censura do Estado e com apoio de determinadas leis que não haviam no início de sua carreira?
RB – Eu vejo sim. Acho que o teatro é imortal e continuará sendo. Enxergo-o com otimismo, com esperança.
JT – Está em cartaz, em São Paulo, “A Loba de Ray-ban”, adaptação de um texto seu. Qual a diferença histórica desta para a primeira montagem? O público aceita com mais facilidade as relações propostas na peça?
RB – Eu tive a impressão de que o público aceita maravilhosamente bem. Mais do que a homossexualidade masculina, talvez porque a homossexualidade feminina seja uma coisa mais plástica, uma coisa mais bonita para o público.
JT – Mas a diferença é basicamente a inversão dos sexos?
RB – A diferença é a seguinte: eu fiz uma versão masculina e li para uma grande amiga na época, a Dina Sfat. Ela gostou da peça. Falou para mim que adoraria fazer o papel do homem e perguntou se eu não poderia escrever uma versão feminina. Pediu para que eu esquecesse a masculina e montasse a feminina. Logo depois que terminei de escrever o lobo homem, comecei a escrever a loba mulher, porque a Dina queria muito fazer, mas ela já estava com câncer e, quando terminei o trabalho, ela já não pôde mais fazer. A peça ficou esses anos todos na gaveta.