Maquinistas: o teatro nos trilhos do sucesso

Por Douglas de Barros

Teatro lotado e expectativa de mais um grande espetáculo. Em suas poltronas, homens e mulheres, todos bem vestidos, esperam para ver mais uma produção. Nesse momento, as cortinas estão fechadas, os músicos preparados com seus instrumentos e eis que surge um foco de luz sobre o cenário que acaba de se erguer.


Ao mesmo tempo, atrás do palco, uma grande quantidade de trabalhadores fica atenta aos comandos da coordenação do espetáculo. Ouvem-se as ordens: “atenção varanda, sobe o painel da suíte 6”, “vai subir a 53”, “desce a vara 49”. Enquanto isso, com a música já ao fundo, a plateia observa o cenário montado à sua frente com toda a movimentação de painéis e luzes diante dos seus olhos.


É com riqueza de detalhes que Jorge Dias conta como realiza o seu trabalho há mais de 30 anos. Ele é o encarregado-chefe dos maquinistas do Theatro Municipal do Rio de Janeiro. O maquinista é o profissional responsável pela montagem do cenário aéreo, além de sua operação durante a apresentação do espetáculo. Ao lado desse profissional trabalham o contrarregra, que movimenta os móveis e objetos dentro do palco, eletricistas, iluminadores, cenógrafos e uma série de profissionais. São poucos os cursos que ensinam esse tipo de função e aqueles a ela ligada são criados nos bastidores e aprendem no dia-a-dia dos palcos.


Seu Jorge explica que não escolheu a profissão, mas foi abraçado pelo ofício que ama fazer. “Já trabalhava com madeira quando, em 1978, o Theatro Municipal estava requisitando pessoas para trabalhar com os cenários. Na época, eu trabalhava com um grande amigo, que me ensinou quase tudo que eu sei. Ele deixou um recado na minha casa falando sobre essa oportunidade no teatro. Fiz o teste,  tive a felicidade de ser recrutado e estou aqui até hoje. Na época, uma equipe da Argentina nos ensinou. O chefe da carpintaria ‘gostou da minha fachada’  e disse que eu estava com eles. Então peguei trabalho, fui aprendendo, foram me explicando e eu abracei essa oportunidade”, conta Dias, que revela, ainda, que começou trabalhando na CTP (Central Técnica de Produção), em Inhaúma, subúrbio carioca. Uma espécie de oficina, na qual os cenários são montados antes de serem levados para o local da peça.


Conhecido por todos dentro do Municipal, o maquinista participou de todas as grandes produções do teatro nos últimos 30 anos. Ele acredita que as óperas são os espetáculos que dão mais trabalho. Porém, produzem as maiores recompensas.“Teve espetáculo que trabalhei com 60 homens. ‘La Traviatta’, por exemplo. De cima você olhava e parecíamos formigas. A Ópera ‘Aída’, com colunas imensas, balé e coro. Fizemos também ‘La Bohemia’ e ‘Carmem’, entre outras”, relembra.


Tanto conhecimento o levou para além dos bastidores. Seu Jorge lembra com carinho das vezes que foi convidado pela Rede Globo para operar uma chuva de papel picado em duas produções. Uma durante uma novela e a outra no programa Domingão do Faustão. “Na ocasião, a produção da Globo me perguntou como é que eu fazia o efeito da chuva de papel picado, para o ‘Quebra Nozes’. Chegando lá, fiz a demonstração. Eles adoraram e me contrataram. Pude realizar o sonho de conhecer o Projac”, diz.

Do palco para os bastidores
Da nova geração, Gilmar Garcês é maquinista no Teatro Oi Casagrande, no Leblon (Zona Sul do Rio). Ele começou no mundo das artes no palco, quando integrou o grupo Nós do Morro e fez escola de cinema com Cacá Diegues. Gilmar pode controlar a troca de cenários de até 500 quilos. “Temos um roteiro especifico, que revisamos no início de cada apresentação, e recebemos uma deixa para as montagens, mas o fundamental é fazer as trocas de cenário com o máximo de precisão e sincronismo com o espetáculo. Com o tempo, o roteiro se fixa em nossa memória”, explica. “Não posso deixar de acrescentar dois mestres com os quais aprendi muito, João Grandão e Vagnão. Ambos são maquinistas do Theatro Municipal há décadas”, completa.


Gilmar, que é ator, também não escolheu ser maquinista, mas foi a curiosidade que o fez entrar neste ramo. “É, realmente fui abraçado pela função, quando percebi já era maquinista. Isso tudo se deve a minha enorme vontade de observar tudo que acontece ao meu redor minunciosamente. Na verdade, a minha vinda a trabalhar atrás do palco foi uma grande fuga, para conseguir me manter, e entender cada dia mais o ofício”, afirma.


Garcêz não se intimida com o tamanho da produção, mas afirma que cada peça é um desafio diferente. “Não dá para dizer essa, ou aquela, mas as grandes produções de musicais têm nos exigido muita precisão nos movimentos. Posso ressaltar a peça ‘Hairspray’, por exemplo.”
Ao final do espetáculo, fecham-se as cortinas e os refletores iluminam plateia e elenco. Lá atrás, o maquinista, mesmo sem ser visto, assume para si os aplausos e honrarias daquele que é a razão de ser de cada trabalhador que vive do teatro, o público.

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