Formando personagens através da maquiagem

Por Ive Andrade

alt

Com quase 20 anos de profissão, o caracterizador Anderson Bueno tem em seu currículo grandes espetáculos como "O Fantasma da Ópera", "Godspell" e "Victor ou Victória". Os dois últimos marcaram por serem trabalhos desafiadores, verdadeiros divisores de águas em sua carreira. "No ‘Fantasma' não houve trabalho de criação propriamente dito. Eles trouxeram o material e tínhamos que seguir à risca. Em termos de execução foi ótimo, pois, no Brasil, não temos esse tipo de espetáculo. Ainda estamos caminhando para ter um business de entretenimento como o americano", explica.

Como um dos efeitos que colocam o ator em contato com sua personagem, a caracterização teatral é fundamental na construção de qualquer história. Seja sutil, em uma maquiagem básica, ou agressiva, em um processo de envelhecimento, o papel do caracterizador é tirar a personagem do papel e trazê-la para a realidade. Para executar tal tarefa, o visagista não é a única peça fundamental.

alt


"[Em primeiro lugar] ouço a intenção do diretor, falo com o figurinista para podermos seguir a mesma linha e converso com o ator para decidirmos qual será a personalidade dessa personagem", explica Bueno, que, atualmente, trabalha no musical "Hairspray". Sua equipe, composta por seis pessoas, transforma o ator Edson Celulari em uma dona de casa acima do peso em todas as apresentações. "No caso do Edson, por exemplo, optamos por uma peruca toda desgrenhada, pois é assim que ele está montando a personagem, é uma mulher que não passa um pente no cabelo sequer, totalmente desleixada".

Apesar de sempre atrás das coxias, o caracterizador tem um trabalho desafiador: cabe a ele propor uma etapa essencial do físico do personagem, o que inclui embelezar, envelhecer ou até mudar o sexo do ator, mas sem deixar que resultado final fique óbvio. "Hoje em dia, o público não quer ser iludido no teatro. Deseja que o ator mostre atitude e não fique escondido atrás de uma máscara", afirma o coordenador do curso de maquiagem, caracterização e improviso do Tuca, Pablo Moreira. "Existe uma busca pela sutileza. Hoje são poucos os teatros com mais de mil lugares em que a maquiagem tem que ser mais pesada, pois o público não fica mais tão distante. E os produtos existentes agora possibilitam essa sutileza", completa Bueno.

Mas, como é comum no meio teatral, não basta, apenas, talento. "Antes de mais nada, é preciso que exista respeito pela profissão. Acontece muito de o artista querer ficar lindo, independentemente se a personagem é alcoólatra, um monstro ou um louco. Mas ele deve ouvir as ideias do caracterizador e vice-versa para executar um bom trabalho", afirma Bueno.

Além disso, no Brasil, a oferta de produtos de maquiagem é escassa e os materiais existentes geralmente são caros, o que dificulta o trabalho dos caracterizadores. Cursos sobre a área ajudam os atores a desenvolver o trabalho básico de caracterização. "Nossa intenção com o curso é mostrar para os profissionais da área o básico, que é possível fazer com muito pouco. O ator deve saber pelo menos disfarçar alguma marca, passar base e lápis de olho. Até porque o caracterizador, muitas vezes, não permanece durante todas as apresentações, isso só acontece nos grandes espetáculos e musicais", ressalta Moreira, que também explica que a caracterização pode ser simples, mas que sempre deve existir, tanto em atrizes quanto nos atores. "São artifícios que pode não parecer, mas são essenciais".

alt


Muitos caracterizadores trabalham com cinema, teatro, televisão, moda, publicidade e convivem com as diferenças que essas áreas exigem. No teatro, a exatidão é fundamental, pois o caracterizador não pode entrar no meio da cena para retocar ou corrigir algum erro. Mas é inevitável que algo aconteça em quase duas décadas de carreira, como conta Bueno. "No ‘Fantasma' tinham próteses e na minha primeira semana sozinho, sem os americanos auxiliando, a prótese começou a descolar do rosto do ator Saulo Vasconcelos, o que estragaria o espetáculo para o público. Ainda bem que o Saulo é um profissional que soube lidar com a situação e a gente remediou rapidamente durante uma de suas trocas de roupa". 

Para Bueno, o teatro também possibilita que o caracterizador trabalhe muito mais criativamente e artisticamente. "No teatro, você faz parte do processo de criação, do universo daquela produção. Já na moda poderia ser qualquer outro fazendo seu trabalho", explica o visagista, que também dá aulas na área corporativa, sobre como se maquiar no seu dia a dia, trabalho que não exige tanta criatividade, mas que exemplifica a importância da caracterização, ainda que seja para atuar apenas na vida real.

Pin It