“O instante não é de conter, como não é de desperdiçar”

por Rodrigoh Bueno

Um dos mais completos atores da atualidade lança agora seu primeiro CD, somando à bem sucedida carreira de ator, dramaturgo e poeta; o título de cantor. Gero Camilo é formado pela Escola de Arte Dramática da USP e escreveu espetáculos como “A Procissão”, "Aldeotas", “Café com Torradas” e "Cleide, Eló e as Pêras", além de ter atuado em outras montagens como "Navalha na Carne", de Plínio Marcos, “Tartufo, ou o Impostor”, de Molière; “Aquele que diz sim, aquele que diz não”, de Bertold Brecht, entre outros.

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No cinema, atuou em produções recentes como “Carandiru”, “Cidade de Deus”, “Madame Satã”, “Abril Despedaçado”, “Cronicamente Inviável”, “Domésticas”, “Bicho de Sete Cabeças” (que lhe rendeu o prêmio de melhor ator coadjuvante no 33º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro e no Festival de Cinema de Recife, ambos em 2001), “Narradores de Javé”, "Man On Fire", ao lado de Denzel Washington e o inédito "Hotel Atlântico" de Suzana Amaral. 

Em televisão, participou dos episódios “As aventuras de Chico Norato contra o boto vingativo” e “Hoje É Dia de Maria”, com direção de Luis Fernando Carvalho na TV Globo. Atualmente, Gero Camilo acaba de lançar o CD "Canções de Invento" e concluiu as gravações da série "Som e Fúria" dirigida por Fernando Meirelles na TV Globo.

Jornal de Teatro: Para você, qual é a importância de trabalhar como dramaturgo, cantor e compositor, somado ao trabalho de ator?

GERO: Não achar que em arte a categorização e a profissionalização são maiores que a experiência. A experiência é a vivência; o estado em que está ou se é, é arte. Alguns chamam de rito, outros de espetáculo e sempre haverá mais a se dizer, porque é experiência, contato.

Para mim, tanto Chaplin, Gene Kelly e Patativa do Assaré revolucionaram meu olhar pra vida. Todos esses me unificaram de alguma forma no estado de preparar-me para a experiência. E claro, ainda muitos outros, porque é uma gira, é um compêndio. Escolhe-se sempre. E sempre haveremos de nos surpreender. O instante não é de conter como não é de desperdiçar. Muito menos de reverenciar o contrito funil global das aparências. Quando se celebra nos confins a liberdade da criação frente ao mercado, isso é cultura, a troca "ilícita" mas feita em si da mais fiel experiência de poder compartilhar sua abrangência sem se conter a um só espaço ou palco social. E o mercado há de nos comer sempre, e sempre estaremos a compor temperos próprios pra comida que ofertamos.

JT: Em outras entrevistas, você já disse que considera “a poesia a mãe de todas as artes” e isso fica muito claro em suas músicas e textos teatrais. A dramaturgia e a música têm perdido essa referência?

GC: Escrevi meu primeiro verso de caneta Bic. Depois o poema era uma xilogravura da minha impressão digital, numa máquina datilografia Olivetti que meu irmão me deu. E agora se faz num quadro fosforescente onde muitas vezes enquanto o verso está sendo feito, eu entro em um estado de músico nesse teclado de computador. Quando falo da poesia ser mãe nessa experiência, é porque literatura e gesto se recompõem à dança. Não há em arte nenhuma forma, gênero, estilo superior à outra.
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Gero: "Não há em arte nenhuma forma, gênero, estilo superior à outra"

JT: O que você gosta de ver no teatro? Recorda de algum espetáculo que viu recentemente e considerou marcante?

GC: O Espetáculo Rainhas, direção da Cibele Forjaz, com a Isabel Teixeira e a Georgette Fadel. Uma grande experiência teatral. Inesquecível.

JT: O tempo de protestos em Fortaleza deu lugar a manifestações no palco? Os anseios críticos são uma preocupação em seus textos e composições?

GC: Sim. Cheguei a fazer um espetáculo no Theatro José de Alencar em Fortaleza, chamado "Simulacro - Uma História Sequestrada" que tratava do golpe militar e das consequências desse absurdo. Mas isso sempre com arte, e não panfletária - sempre em contato com o momento atual. Comecei a fazer arte em movimentos sociais que refletiam e celebravam criticamente meu contexto e condição social, por isso é estranho pensar a arte apartada da minha reflexão política. Isso não cria peso à forma. Embora trace a estética. (Ps. Entenda-se forma e estética aqui como livre arbítrio).

JT: Suas parcerias com Rubi e Celso Sim, por exemplo, que são pessoas que já trabalham com a música intimamente ligada ao teatro, são recentes? Onde e como se deu esse encontro?

GC: Primeiro vi o Celso Sim em cena no teatro Oficina, e depois nos encontramos no filme Carandiru. Ele abençoa o casamento da Lady com o Sem Chance. Fez uma composição linda, que não está no filme, para o amor dos dois. Amo seu trabalho, e mais ainda sua entrega a ele. Rubi quem me apresentou foi a Ceumar e a Tata Fernandes. É impressionante. Não tenho palavras. Rubi é a experiência que nos tira do tempo comum para o instante poético. Esses dois são grandes parceiros que agradeço em minha vida.

JT: O lançamento de “Canções de Invento” é um projeto antigo?

GC: Sim, desejei muito esse disco. Quem faz a direção musical é o Luis Gayotto, fundamental nesse trabalho. Unificando todos nós nessa experiência inventiva e musical. Fomos para o estúdio Terrero Du Passo do Alfredo Bello, e com ele estudamos o que queríamos e chamamos outros músicos: Estavan Sinkovitz, Simone Julian, Simone Soul, Tata Fernandes, Nina Blauth, Lirinha, Ceumar, Rubi, Celso Sim... Muitos amigos passaram por lá, é um trabalho que tem a criação do todo.
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