Teatro Teleco:
três décadas atraindo multidões no Sul do Brasil

Por Leonardo Serafim

Da delicadeza de dois olhos femininos cor de mar surgiu uma paixão arrebatadora que cresceu, ganhou vida e transformou um singelo palhaço em lenda artística no Rio Grande do Sul. Esse enredo, que mais lembra um conto de fadas moderno, graças a sua magia e encanto, é o começo da longa história do Teatro Teleco, que há 36 anos encanta multidões por onde passa.
Tudo começou em 1964. Antônio Adair Machado, o Teleco, até então locutor de uma rádio do interior do Paraná e palhaço nas horas vagas, trabalhava tranquilamente no estúdio de uma estação em Rio Negro quando o destino bateu a sua porta. Era uma bela jovem, de 19 anos, chamada Tiana, que acabara de sair de um colégio de freiras e procurava seu primeiro emprego. Encantado com a beleza da moça, Teleco não pensou duas vezes em contratá-la como sua assistente. Em pouco tempo, os dois colegas de trabalho viraram bons amigos. E de amigos transformaram-se em casal, que, por partilharem o mesmo gosto pelas artes cênicas, decidiram dedicar suas vidas ao teatro popular.
Após peregrinar, por muitos anos em diversas companhias nos estados do Sul do Brasil, Teleco decidiu voltar às (velhas) origens: retornou, junto com a mulher, a sua cidade natal, Novo Hamburgo, onde havia iniciado a carreira artística. Desde muito jovem, Teleco sempre esteve presente nos circos gaúchos, que praticamente tornaram-se sua segunda casa. Tentando ganhar seu espaço, começou vendendo balas e picolés até conseguir pisar no picadeiro pela primeira vez aos 14 anos. Após sua aparição, apenas uma meta pairava sua cabeça: construir um teatro e distribuir alegria para o máximo de pessoas.

Teatro Teleco
O sonho de infância virou realidade graças a um amigo, que lhe emprestou dinheiro para a construção de um circo, em 1972. Com a ideia firme de que poderia brilhar nas comunidades carentes do Rio Grande do Sul, o palhaço, junto com Tiana, sua filha Ana Beatriz e um jovem elenco de artistas, inaugurou o Teatro Teleco, que, em pouco tempo virou um dos principais e últimos grupos mambembes do País.
Mesmo ficando boa parte de sua vida em uma cadeira de rodas, devido a uma cirurgia mal sucedida, e passando fome em diversos momentos, Teleco, ao lado de seus irmãos – como costumava chamar seus colegas de carreira – sempre perseverou, criando uma tradição dentro do seu teatro, que vive até os dias atuais. Teleco faleceu em 2008, mas o legado do teatro popular, que faz multidões rirem e chorarem, se mantém.
 

Tradição
nos Melodramas
circences
Como diria Tiana, mulher de Teleco, o show tem que continuar. É o que acontece desde a morte do velho mestre. Como não poderia ser diferente, sua família tocou o barco adiante e manteve a tradição do teatro. Atualmente, são 28 “irmãos” que dividem tarefas e os modestos, mas aconchegantes, traileres do grupo, para manter a chama viva de Teleco.
Com uma graça que transcende o tempo, a trupe continua tirando aplausos do público devido à sua forma inocente de apresentação. Considerado por muitos, e até mesmo por Teteco (novo líder da trupe), um estilo dissolvido do melodrama, o Teatro Teleco traz em sua história mais de 200 peças, que tanto orgulham os artistas. Composta em sua grande maioria por comédias, escritas por Ana Beatriz, o “circo” sempre tentou entreter com humor infantil, capaz de atrair tanto os mais velhos quanto as crianças. A ideia de agradar o povo com piadas sutis se mantém. Com encenações simples, como “Teteco: o Açougueiro”, ou “Teteco: o Professor”, os espectadores se deleitam com as leves trapalhadas do palhaço e de seus companheiros de cena.
Porém, engana-se quem pensa que a comédia é a única vertente que corre nas veias dessa família. Como um bom ator deve ser, Teleco sempre apreciou todos os campos da dramaturgia, sendo um admirador ferrenho das fortes interpretações. Foi nos dramas que ele fez milhares de fãs se debulharem em lágrimas, com espetáculos como “A canção de Bernadete” e “O céu uniu dois corações”, entre outros. Apesar do sucesso de outrora, os dramalhões, que tanto marcaram a trajetória do Teatro Teleco, já não fazem mais parte do repertório. “O povo está cansado de sofrer na vida real. Quando vem nos assistir, quer sair daqui gargalhando, para esquecer os problemas do cotidiano”, afirma Tiana.

40 anos da versão brasileira de “Na Selva das Cidades” é brindada com novo espetáculo.


Ao Teatro de Arena de Porto Alegre nunca faltou relevância histórica, até porque é considerado um dos espaços culturais mais importantes do Brasil, seja pelas suas particularidades espaciais, diversidade de gêneros e propostas artísticas (espaço de arte, pesquisa e reflexão). A história, segundo constam os documentos, foi escrita à picareta. No dia 17 de outubro de 1967, aconteceu a fundação, realizada por artistas idealistas do Grupo de Teatro Independente, liderados por Jairo de Andrade.
Ele caminhava com a cabeça ocupada por uma ideia fixa: o GTI precisava ter uma sala própria. Imerso nesses pensamentos, ele atravessava os altos do viaduto Otávio Rocha, quando percebeu um mau cheiro. Movido pela curiosidade, foi procurar a origem. Desceu alguns degraus da escadaria do viaduto e se agachou diante de uma das janelinhas do subsolo de um enorme edifício. Enxergou um porão alagado pelo estouro de um esgoto. Apesar da escuridão, Jairo pode ver uma área de 300 metros quadrados. A partir daquele momento, o local ganharia vida.
Após a descoberta do porão, Jairo saiu à procura dos proprietários e chegou a Romano Tofoli Cullau, dono do edifício em sociedade com as duas irmãs. Anunciou que pretendia adquirir a área do subsolo do prédio para construir um teatro, mas não tinha dinheiro. De início, Cullau deu boas risadas, até perceber a seriedade da conversa. Quando o prédio fora construído, o projeto inicial previa a instalação de laboratório farmacêutico, mas a ideia teve forte oposição de uma de suas tias, que preferia uma atividade cultural. Diante do impasse, ficou ocioso por 13 anos.
Jairo usou de todo o poder de persuasão. Argumentou que, além de um teatro, o local poderia abrigar cursos de interpretação, dança, artes plásticas, desenho e canto. Estaria, assim, realizando o sonho da falecida tia. Ao longo das conversas, Cullau raciocinou do ponto de vista prático. Embora não tivesse ventilação, a área era considerada pela prefeitura como um imóvel de andar térreo e sobre ela incidiam taxas mais elevadas. Portanto, dava prejuízo. Se o projeto não vingasse, a família não perderia nada, pois a área estava mesmo desocupada.
Se desse certo, finalmente o porão abandonado poderia dar algum retorno. Mas, de qualquer maneira, teria que facilitar as coisas, já que o grupo não tinha dinheiro. Propôs, então, um negócio. De início, até o teatro ficar pronto, ele emprestaria o local. Depois, passaria a cobrar. Foi fixado um valor de NCr$ 18 mil (Cruzeiro Novo). A cada semestre, o grupo teria a obrigação de desembolsar NCr$ 4 mil. Somente depois de acertar as coisas com Romano Cullau, Jairo comunicou a realização do negócio aos parceiros do Grupo de Teatro Independente.

A pedra
O GTI promoveu um curso de teatro em que os alunos pagavam as aulas com “suor”. Das 18h às 20 horas, a tarefa era trabalhar. A ordem era escavar até o limite do encanamento do esgoto, significando baixar o chão em cerca de 50 centímetros. “Como não tínhamos licença para construir, cavávamos e deixávamos a terra ali dentro. Durante a madrugada, jogávamos o entulho em um terreno baldio do viaduto”, conta Jairo. Depois das 23 horas, integrantes do grupo e alunos saíam pela cidade para “expropriar” tijolos, vidros e sacos de cimento.
Detalhes acima constam no livro “Teatro de Arena: Palco de Resistência”, de Rafael Guimaraens, da editora Libretos. Segundo a obra, o grupo se deparou com uma enorme rocha de granito. Mesmo batendo com picaretas, ela resistia. Foi preciso a ação do martelete da empresa municipal de bondes para reduzi-la a um tamanho menor. Na época, o grupo decidiu deixar a pedra no saguão. Em 2007, nos 40 anos do Teatro de Arena, passou a ser o símbolo da instituição, como o personagem Pedro Rocha, criado pela atual direção e pela Propaganda Futebol Clube, responsável pelas campanhas de publicidade da casa.
Voltando a 1967, foram muitas as madrugadas que se seguiram, repletas de ensaios, apresentações e discussões.“A proposta era ter um teatro engajado e ideológico”, relembra a atual diretora do espaço, Viviane Juguero. Ao longo do tempo, nem mesmo a restrição da liberdade de expressão impediu a apresentação de espetáculos inteligentes. Também na música, a atuação no Teatro de Arena é significativa. Iniciaram sua trajetória profissional nas “Rodas de Som”, organizadas pelo compositor Carlinhos Hartilieb (na década de 70), Bebeto Alves, Kleiton e Kleidir e Nelson Coelho de Castro.
“Muitos artistas consagrados iniciaram sua carreira neste espaço. Aqui sempre foi e continua sendo um espaço para a música autoral e experimental”, completa a diretora do Teatro de Arena. Viviane cita como exemplo as presenças de vários talentos, dentre eles Arthur de Faria, Richard Serraria e Marcelo Corsetti, que continuam ocupando os palcos da casa nos dias de hoje, incluindo centenas de outros músicos integrantes do projeto Música Autoral, promovido pelo Jornal Vaia, mensalmente na instituição.

Resistência
Na obra de Guimaraens, a inauguração do Teatro de Arena aconteceu com a peça “O Santo Inquérito”, espécie de cartão de visitas sobre os propósitos do grupo. A peça de Dias Gomes contava a história real do julgamento da judia paraibana Branca Dias pelo Tribunal do Santo Ofício, ocorrido no século XVIII. Os métodos da inquisição eram uma analogia aos da ditadura militar, com métodos sufocantes para o Brasil naquela época. “Mais do que denúncia, o texto examinava os comportamentos das pessoas ante as injustiças, ressaltando que, quem cala, de fato, colabora.”
O livro conta ainda que os sensores acabaram taxando “O Santo Inquérito” como “proibida para menores de 18 anos”. No dia 27 de outubro de 1967, o jornal Correio do Povo estampava em suas páginas: “O Santo Inquérito inaugura Teatro de Arena e concretiza o sonho de um batalhador”. Na reportagem, Jairo declarava: “Queremos fazer um teatro simples, mas honesto. Vivemos em uma época de transição, e aquele que tem oportunidade de entrar em comunicação com o público tem o dever de levar uma mensagem válida a este público”.
A partir daí, foram diversos espetáculos engajados com o ideal de transformação social. Os artistas tiveram de ser extremamente perspicazes para burlar a censura, as ameaças e os boicotes do Comando de Caça aos Comunistas e resistir às agressões físicas e psicológicas sofridas por alguns integrantes do grupo. Ainda assim, o Arena resistiu aos anos de chumbo e foi fundamental para a profissionalização dos artistas locais, além da construção de uma proposta de teatro ideológico que persiste até hoje em diferentes grupos atuantes em Porto Alegre.
Para abrir a temporada de 1968, o Arena investiu na peça “Álbum de Família”, de Nelson Rodrigues, aproveitando sua recente liberação pela censura, após ser proibida durante 21 anos. A ditadura aplicava medidas restritivas e os protestos se multiplicavam. Naquele tempo, quem quisesse montar um espetáculo teatral deveria passar o texto para a Censura Federal, que apontaria os cortes. A peça seria montada sem os trechos censurados e, finalmente, passaria pelo famoso “teste do ensaio”, determinando a adequação conforme a idade.

Silêncio
A luta pela redemocratização do País estava nas ruas, nas fábricas do ABC paulista e nas comunidades eclesiais de base. Dentro deste contexto, o Teatro de Arena serviu, muitas vezes, de palco para atividades políticas, estudantis e sindicais. Nele foi fundada a Associação de Artistas, vindo a se transformar no atual Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões do Estado do Rio Grande do Sul (SATED/RS). Mesmo assim a proposta do Arena esgotava-se numa insustentável crise financeira. As dívidas se acumulavam e não havia dinheiro sequer para as despesas básicas. Assim, o Arena fecha suas portas, isto no ano de 1979.
A instituição, acostumada a dar voz aos mais diversos talentos, vive em silêncio durante uma década. No entanto, a cidade não conseguia ignorar sua presença calada nos altos do viaduto da Borges. Importantes nomes da cultura gaúcha, como o então Diretor do Instituto Estadual de Artes Cênicas, Dilmar Messias, o Secretário da Cultura, Carlos Jorge Appel, e aquela que seria a primeira diretora da nova fase do Arena, a artista Sônia Duro, iniciaram uma luta obstinada para recuperar o teatro e construir um Centro de Documentação e Pesquisa em Artes Cênicas.
Em 1988, o Teatro de Arena é finalmente considerado de utilidade pública e passa a ser uma das instituições da Secretaria Estadual da Cultura. Depois de sua reforma, o espaço – para a alegria da classe artística – reabre em 1991. A partir daí, ele passa a abrigar diferentes propostas, conforme as posturas de seus diretores, lutando contra a escassez de recursos e abrigando diversos artistas. Os diretores foram Sônia Duro, seguido de outros importantes nomes como Olga Reverbel, Lutti Pereira, Rosa Campos Velho e Viviane Juguero.

Dias de hoje
Atualmente, o Teatro de Arena trabalha sob o slogan “A vida é feita de Atos”, mostrando que nessa instituição não há meros discursos e, sim, ações que contribuem efetivamente para o desenvolvimento da cultura gaúcha. Em outubro de 2009, o local completa 42 anos. Para comemorar em grande estilo, no dia 1 de outubro será realizado o evento A Vida é feita de Atos para anunciar a reedição do Prêmio de Incentivo às artes cênicas e comemoradas as mais recentes conquistas como reformas, instalação de redes de computadores, melhorias no equipamento de luz etc.
Uma das mais importantes ações de 2009 foi a publicação do site. O objetivo é divulgar a programação, as condições espaciais e técnicas do espaço, prestar contas sobre as ações administrativas e culturais, disponibilizar ferramentas de pesquisa e os materiais do Espaço Sônia Duro. Outra iniciativa atual é a reconstrução dos 42 anos de história do local, incluindo milhares de atividades das mais diversas áreas. Realizou-se intensa pesquisa em bordereauxs, matérias de jornais e programas. Agora a direção convoca todos que fizeram parte destes acontecimentos para acessarem o site www.teatrodearena.com, navegarem pelo link “Histórico” e contribuírem com suas informações, além da doação de materiais para o Centro de Documentação e Pesquisa em Artes Cênicas.

Para entender o período de democratização política do Brasil o indivíduo pode estudar livros, reportagens históricas, ouvir relatos de quem vivenciou a época ou até mesmo pesquisar as manifestações artísticas que movimentaram o período.

Página 8 de 15