História
Casa Grande: o grande palco da democracia
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Por Daniel Pinton
Para entender o período de democratização política do Brasil o indivíduo pode estudar livros, reportagens históricas, ouvir relatos de quem vivenciou a época ou até mesmo pesquisar as manifestações artísticas que movimentaram o período. No caso da última opção, basta dotar um olhar mais atento a um palco específico que, desde a sua fundação, em 1966, abrigou o que houve de mais atuante em favor da igualdade social, no cenário das artes do País: o Café-Teatro Casa Grande, atualmente Oi Casa Grande.
Desde o primeiro ano do teatro, o espírito de engajamento político de seus fundadores Max Haus, Moysés Ajhaenblat, Moysés Fuks e Sérgio Cabral (pai) foram passados à linha artística do Casa Grande. Mesmo com as saídas de Moysés Fuks da sociedade e de Sérgio Cabral da apresentação dos espetáculos, em 1968, a alma de enfrentamento do teatro à ditadura militar brasileira se perpetuou através das mais diversas manifestações artísticas que o seu palco presenciou. “A minha intenção foi de enfrentamento, não de omissão. Sempre com o objetivo de preservação da instituição”, resume Max Haus
.
Omissão definitivamente passou ao largo do Casa Grande. No ápice da ditadura militar, o teatro abrigou espetáculos de contestação como as polêmicas revistas de Oduvaldo Vianna; “A Mandrágora”, de Maquiavel; “Brasileiro: Profissão Esperança”, de Paulo Pontes; e o repertório de “Calabar”, peça censurada de Chico Buarque. Por sinal, foi no Casa Grande que Chico Buarque apresentou pela primeira vez “Ana de Amsterdam”, “Bárbara” e “Tatuagem”. Foi também em uma obra de Chico, em parceria com Ruy Guerra, que o Casa Grande deu mostras de que não baixaria a cabeça para o regime militar, em um fato inédito e inusitado: pela primeira vez o cenário de uma peça teatral, no caso “Fado Tropical”, fora proibido pela censura. O cenógrafo Helio Eichbauer foi informado da proibição na véspera da estreia e, sem muito tempo para modificações, virou o cenário original ao contrário. Resultado: o público aplaudiu de pé. “A censura imposta pelos órgãos de segurança era um dos maiores incômodos”, explica Haus. “Sofremos ameaças de fechamento do teatro e todo tipo de retaliação. Havia intimidações por telefone, ameaças de bomba”, lembra Moysés Ajhaenblat.
O Casa Grande, sempre na vanguarda, não apenas continuou a apresentar peças de cunho político, mas também realizou debates culturais e econômicos com nomes expressivos das artes plásticas, do cinema, da televisão, do teatro, da música, da propaganda, da literatura e da política, casos de Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva. Palco de diversos atos pela anistia política e reuniões de artistas e produtores culturais contra a censura então vigente, foi no Casa Grande que o então candidato democrático à presidência da República, Tancredo Neves, lançou a sua candidatura e, em 1984, batizou o espaço, com propriedade, de “o território livre da democracia do Brasil”. O teatro, ainda no mesmo ano, foi palco da primeira reunião da campanha Diretas Já, que contou com a participação de Ulisses Guimarães e Teotônio Vilella, líderes do movimento.
Após tanta luta por um ideal libertário, pela livre expressão de ideias, o Casa Grande, enfim, foi reconhecido pelo poder público. Em 1985, o então ministro da Justiça, Fernando Lira, escolheu o teatro para assinar, diante de intelectuais e artistas de todo o País, o decreto que pôs fim à censura. Já no período democrático, o Casa Grande abrigou inúmeros sucessos como “O Mistério de Irma Vap”, de Charles Ludlam; “Louro Alto Solteiro Procura”, de Miguel Falabella; “Um Gordoidão no País da Inflação”, show de Jô Soares; e “Confissões de Adolescente”, de Maria Mariana; entre outros, provando que tinha vocação não apenas para contestar, mas para entreter.
Tal como em uma peça teatral, o Casa Grande também viveu seus momentos de drama. Um incêndio, em 1997, durante a temporada de “O Burguês Ridículo”, de Molière, destruiu o teatro. A perda foi total e a causa até hoje é misteriosa. “Desde a criação do teatro, no dia 25 de agosto de 1966, nunca estivemos fechados. Depois desse “estranho” incêndio, em 5 de abril de 1997, por 11 anos tivemos uma atuação de resistência. Criamos a campanha Casa Grande Vive, na qual recebemos adesões de muitos artistas que sempre nos apoiaram”, diz Moysés Ajhaenblat. “Principalmente por razões políticas, o céu nunca foi de brigadeiro...”, indica Max Haus.
Com ajuda dos companheiros de luta de longa data e com a mesma força que mobilizou em prol de um País mais livre e igual, o Casa Grande se reergueu parcialmente, o bastante para produzir espetáculos importantes como “A Máquina”, de João Falcão; “Se Correr o Bicho Pega, se Ficar o Bicho Come”, de Oduvaldo Vianna Filho; “Woyzeck”, de Georg Büchner; e “O que diz Molero”, de Aderbal Freire-Filho.
Completamente restaurado desde 2008, o hoje Oi Casa Grande conta com mais de 900 assentos para espectadores, espaço exclusivo para cadeirantes e obesos, 12 camarins, fosso para orquestra e dois bistrôs: uma infraestrutura digna da história do teatro. “Os espetáculos que estiveram e estão em cartaz no Oi Casa Grande continuam todos a ter viés político. A ‘Noviça Rebelde’, musical que reinaugurou o teatro é um libelo contra o nazismo; ‘Hamlet’, de Shakespeare, com a prodigiosa direção de Aderbal Freire-Filho, tem um ar político. E ‘Hairspray’ contesta várias formas de preconceito e a discriminação racial através da música e dança”, aponta Moysés Ajhaenblat.
Max Haus, no entanto, tem uma visão um pouco diferente acerca do teor das peças que são feitas hoje não só no Casa Grande, mas na cena teatral brasileira em geral. Haus indica uma pequena mudança naquilo que o público espera encontrar quando vai assistir a uma peça. “Hoje há um desinteresse do público por espetáculos puramente políticos e uma tendência para as comédias, com críticas mais leves, por exemplo”, aponta.
Se os espetáculos encenados atualmente não tem mais o vigor puramente político dos áureos tempos, talvez seja reflexo de uma sociedade descrente com o rumo político do País após tanta luta e pouco progresso. Ainda assim, o grande palco da democracia brasileira continua fazendo a sua parte de questionar e entreter com maestria.
Desde o primeiro ano do teatro, o espírito de engajamento político de seus fundadores Max Haus, Moysés Ajhaenblat, Moysés Fuks e Sérgio Cabral (pai) foram passados à linha artística do Casa Grande. Mesmo com as saídas de Moysés Fuks da sociedade e de Sérgio Cabral da apresentação dos espetáculos, em 1968, a alma de enfrentamento do teatro à ditadura militar brasileira se perpetuou através das mais diversas manifestações artísticas que o seu palco presenciou. “A minha intenção foi de enfrentamento, não de omissão. Sempre com o objetivo de preservação da instituição”, resume Max Haus
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Omissão definitivamente passou ao largo do Casa Grande. No ápice da ditadura militar, o teatro abrigou espetáculos de contestação como as polêmicas revistas de Oduvaldo Vianna; “A Mandrágora”, de Maquiavel; “Brasileiro: Profissão Esperança”, de Paulo Pontes; e o repertório de “Calabar”, peça censurada de Chico Buarque. Por sinal, foi no Casa Grande que Chico Buarque apresentou pela primeira vez “Ana de Amsterdam”, “Bárbara” e “Tatuagem”. Foi também em uma obra de Chico, em parceria com Ruy Guerra, que o Casa Grande deu mostras de que não baixaria a cabeça para o regime militar, em um fato inédito e inusitado: pela primeira vez o cenário de uma peça teatral, no caso “Fado Tropical”, fora proibido pela censura. O cenógrafo Helio Eichbauer foi informado da proibição na véspera da estreia e, sem muito tempo para modificações, virou o cenário original ao contrário. Resultado: o público aplaudiu de pé. “A censura imposta pelos órgãos de segurança era um dos maiores incômodos”, explica Haus. “Sofremos ameaças de fechamento do teatro e todo tipo de retaliação. Havia intimidações por telefone, ameaças de bomba”, lembra Moysés Ajhaenblat.
O Casa Grande, sempre na vanguarda, não apenas continuou a apresentar peças de cunho político, mas também realizou debates culturais e econômicos com nomes expressivos das artes plásticas, do cinema, da televisão, do teatro, da música, da propaganda, da literatura e da política, casos de Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva. Palco de diversos atos pela anistia política e reuniões de artistas e produtores culturais contra a censura então vigente, foi no Casa Grande que o então candidato democrático à presidência da República, Tancredo Neves, lançou a sua candidatura e, em 1984, batizou o espaço, com propriedade, de “o território livre da democracia do Brasil”. O teatro, ainda no mesmo ano, foi palco da primeira reunião da campanha Diretas Já, que contou com a participação de Ulisses Guimarães e Teotônio Vilella, líderes do movimento.
Após tanta luta por um ideal libertário, pela livre expressão de ideias, o Casa Grande, enfim, foi reconhecido pelo poder público. Em 1985, o então ministro da Justiça, Fernando Lira, escolheu o teatro para assinar, diante de intelectuais e artistas de todo o País, o decreto que pôs fim à censura. Já no período democrático, o Casa Grande abrigou inúmeros sucessos como “O Mistério de Irma Vap”, de Charles Ludlam; “Louro Alto Solteiro Procura”, de Miguel Falabella; “Um Gordoidão no País da Inflação”, show de Jô Soares; e “Confissões de Adolescente”, de Maria Mariana; entre outros, provando que tinha vocação não apenas para contestar, mas para entreter.
Tal como em uma peça teatral, o Casa Grande também viveu seus momentos de drama. Um incêndio, em 1997, durante a temporada de “O Burguês Ridículo”, de Molière, destruiu o teatro. A perda foi total e a causa até hoje é misteriosa. “Desde a criação do teatro, no dia 25 de agosto de 1966, nunca estivemos fechados. Depois desse “estranho” incêndio, em 5 de abril de 1997, por 11 anos tivemos uma atuação de resistência. Criamos a campanha Casa Grande Vive, na qual recebemos adesões de muitos artistas que sempre nos apoiaram”, diz Moysés Ajhaenblat. “Principalmente por razões políticas, o céu nunca foi de brigadeiro...”, indica Max Haus.
Com ajuda dos companheiros de luta de longa data e com a mesma força que mobilizou em prol de um País mais livre e igual, o Casa Grande se reergueu parcialmente, o bastante para produzir espetáculos importantes como “A Máquina”, de João Falcão; “Se Correr o Bicho Pega, se Ficar o Bicho Come”, de Oduvaldo Vianna Filho; “Woyzeck”, de Georg Büchner; e “O que diz Molero”, de Aderbal Freire-Filho.
Completamente restaurado desde 2008, o hoje Oi Casa Grande conta com mais de 900 assentos para espectadores, espaço exclusivo para cadeirantes e obesos, 12 camarins, fosso para orquestra e dois bistrôs: uma infraestrutura digna da história do teatro. “Os espetáculos que estiveram e estão em cartaz no Oi Casa Grande continuam todos a ter viés político. A ‘Noviça Rebelde’, musical que reinaugurou o teatro é um libelo contra o nazismo; ‘Hamlet’, de Shakespeare, com a prodigiosa direção de Aderbal Freire-Filho, tem um ar político. E ‘Hairspray’ contesta várias formas de preconceito e a discriminação racial através da música e dança”, aponta Moysés Ajhaenblat.
Max Haus, no entanto, tem uma visão um pouco diferente acerca do teor das peças que são feitas hoje não só no Casa Grande, mas na cena teatral brasileira em geral. Haus indica uma pequena mudança naquilo que o público espera encontrar quando vai assistir a uma peça. “Hoje há um desinteresse do público por espetáculos puramente políticos e uma tendência para as comédias, com críticas mais leves, por exemplo”, aponta.
Se os espetáculos encenados atualmente não tem mais o vigor puramente político dos áureos tempos, talvez seja reflexo de uma sociedade descrente com o rumo político do País após tanta luta e pouco progresso. Ainda assim, o grande palco da democracia brasileira continua fazendo a sua parte de questionar e entreter com maestria.