Classical Ballet fará 15 apresentações no Brasil


Bailarinos, diretores e coreógrafos de renome marcam a história da companhia curitibana, que acumula repertório respeitável de peças Por Liliane Ribeiro De repente eles chegaram lá, diante do palco enorme do Guairão. Os pés espremidos dentro da sapatilha, a admiração e respeito por aquele lugar. Deixaram para trás seis horas diárias de suas vidas para estar ali, movimentando o imaginário do público e buscando a perfeição dos movimentos do corpo. Numa casa que não é a deles, mas que, mesmo assim, chamaram-na de lar. Paixão. Os bailarinos são movidos por isso. O Balé Teatro Guaíra é movido por isso. Depois de quatro décadas de empenho e dedicação, a companhia, hoje considerada uma das mais importantes do País, comemora o aniversário de criação como manda o figurino: com um repertório com mais de 130 coreografias. Desde o início, a companhia acumulou respeitável repertório, com obras de expressivos nomes, e transformou a dança na própria alma do Teatro Guaíra. O teatro surgiu na década de 1950, época em que Curitiba via nascer uma evolução cultural sem precedentes com o governo de Bento Munhoz da Rocha Netto, um visionário que previa a realização de grandes óperas no palco daquele que se tornaria um dos mais importantes teatros do País. Somente em 1969 o Corpo de Baile da Fundação Teatro Guaíra, como era chamado na época, foi criado pelo governo do Paraná, após concurso público para contratação dos bailarinos. Os primeiros diretores foram Ceme Jambay e Yara Cunto. Com o passar dos anos, os palcos da companhia abrigaram diretores, coreógrafos e bailarinos de renome nacional e internacional. Contudo, para a ex-bailarina e atual diretora do Balé Teatro Guaíra, Carla Reinecke, o balé local começou a ser reconhecido sete anos depois de sua criação. “Depois que Hugo Delavalle, diretor da época, coreografou “Giselle”, nós estreamos no Paraná e depois fizemos uma extensa turnê: São Paulo, Brasília, Porto Alegre e vários outros lugares. Foi aí que as pessoas começaram a falar do Balé Clássico Guaíra. Inclusive, foi nessa época que aumentou a quantidade de bailarinos para balés desse porte”, revela. O espetáculo “Giselle” estreou com a bailarina argentina Mônica Panader como protagonista e depois teve Ana Botafogo no papel-título. A direção de Carlos Trincheiras, coreógrafo português de renome internacional, também é considerada um marco na história da companhia. No período de 1979 a 1993, Trincheiras remontou vários clássicos e criou coreografias como “Sagração da Primavera”, “Archipel 3”, “Variações de Paganini”, “Da vida e da morte”, “O Grande Circo Místico”, sucesso duas vezes em turnês, e “Lendas do Iguaçu”, que ganhou recentemente uma nova versão de Rui Moreira para comemorar o aniversário do Balé Teatro Guaíra. Depois da morte de Trincheiras e a ida de sua esposa, Izabel Santa Rosa, para a direção, outros diretores passaram pelo BTG, como Jair Moraes, Marta Nejm e Cristina Purri. Diversos coreógrafos convidados, como Luis Arrieta, Tíndaro Silvano e Márcia Haydée também fizeram parte da história do Guaíra. Em 1999, Suzana Braga assumiu e a companhia se dividiu em duas. Foi criado o Guaíra 2 Cia. De Dança, que segue a linha de intérprete-criador, na qual o coreógrafo pede aos bailarinos que façam pesquisa e tragam sugestões para a composição dos movimentos da coreografia. O G2 foi assumido, desde sua criação, por Carla Reinecke. Para ela, o contato com outros coreógrafos também é essencial. “É importante a troca de informação, pois isso sempre dá uma reciclada. O mais importante, porém, é, na direção, conseguir manter o bailarino animado, trabalhar bem a parte técnica e artística. Isso acho que a gente tem conseguido”, conta. Para Ricardo Garanhani, há 19 anos na companhia, o bailarino é, por si só, um ser humano disciplinado, pois já é criado dessa forma. “Existe a cobrança profissional, mas acredito que a cobrança seja mais individual. Como já somos criados assim, nesse sistema de muita disciplina, de muito esforço, acabamos sendo pessoas muito dedicadas”, diz. Garanhani é arquiteto e já recebeu o Troféu Gralha Azul – primeiro prêmio oficial a homenagear os artistas e técnicos do Teatro no Paraná – cinco vezes na categoria adereço. O Palco Há algo de mágico no palco do Teatro Guaíra. Maior que muitos do Brasil, o Guairão é o auditório mais conhecido da casa, com 2.173 lugares. Mas é o tablado que impressiona. “Na época que eu era bailarina, veio para cá um rapaz contratado. Ele estava começando. Era a primeira companhia profissional dele. Daí, começamos a fazer aula no estúdio e no primeiro ensaio de palco que tivemos – foi a primeira vez que viu aquele palco enorme – ele ficou encantado e andava falando: ‘Que maravilha!’ Ele falava e ia andando para trás, olhando tudo, até que acabou caindo no fosso. Não se machucou, graças a Deus, mas várias pessoas já caíram por causa disso”, relembra a atual diretora Carla Reinecke. Uma apresentação de balé clássico depende de muitos fatores para que tudo corra conforme o esperado. Dependendo do tamanho da coreografia e do tempo para produzi-la, um espetáculo pode precisar da contribuição de muitas pessoas, como é o caso de “Romeu e Julieta”, que teve cerca 200 colaborações. “Quando o coreógrafo não é da cidade, ele vem, fica 15, 20 dias, monta uma parte do espetáculo e depois volta para casa dele. Enquanto isso, ensaiamos, até ficar bem afinado. O “Romeu e Julieta”, que é uma peça mais longa (duas horas), demorou quase cinco meses para ficar pronto”, revela a diretora. Projetos para o futuro No final deste ano, será lançado o livro sobre os 40 anos do Balé Guaíra, organizado por Cristiane Wosniack, ex-bailarina do BTG, professora de História da Dança na FAP e professora de dança contemporânea. Para o ano que vem, a companhia pretende fazer turnês dos espetáculos novos: “Romeu e Julieta”, “Lendas das Cataratas do Iguaçu” e o “Quebra Nozes”.



Por Jarbas Homem de Mello

Após um dia exaustivo de trabalho, o experiente e conceituado coreógrafo Alonso Barros recebeu o Jornal de Teatro na academia Pulsarte, em São Paulo, onde está ensaiando o espetáculo “Pernas pro ar”, nova produção de Cláudia Raia. Na entrevista, ele falou de sua trajetória artística, da vida na Europa (onde reside atualmente) e dos bons “acidentes” que a vida lhe proporcionou.

Jornal de Teatro – Você participou da montagem de “A Chorus Line”, de 1983, espetáculo que lançou artistas de grande destaque como Cláudia Raia, Raul Gazola e o saudoso Tales Pan Chacon.
Alonso Barros – Foi logo depois de eu me decidir pela arte, largando meu curso de arquitetura. Foi uma produção do Walter Clark, e foi onde tudo começou realmente. Nessa época eu iniciei minhas experiências como coreógrafo, montei uma versão do Pippin, que foi muito elogiada na época, e aí vieram outros musicais como interprete, até 1988, quando decidi sair do Brasil.

JT – Você saiu do Brasil poucos anos depois de ter iniciado uma promissora carreira. Foi a busca de novas oportunidades de trabalho que o levaram a Europa?
AB – Na verdade, o que me levou à Europa foi uma inquietação geral. Eu tinha vinte e poucos anos na época, achei que era o momento de ousar, rodar um pouco. Eu estava um pouco cansado de musicais e, na verdade, tinha o sonho de conhecer e trabalhar com a Pina Bausch – eu era e sou louco pelo trabalho dela. Na época, havia um amigo morando em Viena que estava participando de um show brasileiro. Estavam precisando de gente, achei que era a minha chance, mas, chegando lá, não tinha trabalho algum, pois o show havia sido transferido para o final do ano. Como eu só descobri isso quando cheguei, não havia nada para fazer. Na época, estava acontecendo um festival e fui fazer uma aula, um coreógrafo que estava começando um trabalho de dança contemporânea em Viena me viu e me convidou para trabalhar.

JT – Quer dizer que, apesar do susto, você chegou na Europa e começou sua carreira de performer imediatamente?
AB – Bom, depois desse trabalho em Viena, recebi o convite para trabalhar de modelo. Aí eu pensei: melhor que lavar pratos né? (risos). Eu fiquei modelando por um ano e meio mais ou menos e, um tempo depois, resolvi participar de uma competição internacional de novos coreógrafos, naquele mesmo festival de Viena. Ganhei o primeiro lugar, o que me deu uma visibilidade, e foi nessa época também que eu voltei para os musicais, e de uma maneira bem inusitada, um amigo meu foi chamado para fazer um conserto beneficente na Inglaterra para a Lady Di, fui ver um ensaio, a coreógrafa me conheceu, gostou de mim e me chamou para trabalhar. Voltei para os musicais como interprete em “Rock Horror Show”, e aí vieram uma sucessão de musicais como “Sweet Charity”, “La Cage aux folles” etc.

JT – E como se deu essa passagem do performer para Coreógrafo de Musicais?
AB – Depois que eu voltei a trabalhar nos musicais, comecei a lecionar no Performing Arts, em Viena, uma escola de musicais muito conceituada. Lá, eu coreografava muito para os shows, e isso começou a mostrar muito o meu trabalho, então veio a grande oportunidade de coreografar “Kiss me Kate”, uma super produção. Foi quando eu realmente entrei no mercado como coreógrafo, e, desde então, não parei mais. Com isso, fui diminuindo meus trabalhos como performer e me tornando realmente coreógrafo. Mantive minha base em Viena e comecei a trabalhar em vários países da Europa.

JT – E como surgiu o convite para voltar a coreografar no Brasil?
AB – Esse foi mais um feliz acidente na minha carreira. Eu estava no Brasil, visitando a família, e sabia que estavam montando o “Sweet Charity”. Fiquei interessado, mas eu já não tinha mais contato com a Cláudia Raia desde a época do “Chorus Line”, mas uma amiga minha, que trabalhava na CIE na época, me indicou. A Cláudia lembrou de mim e me recomendou na hora, me pediram um registro do meu trabalho e fecharam comigo, foi aí que conheci o Charles Moeller e o Cláudio Botelho, que agora me chamaram para a montagem de “O Despertar da Primavera”. Agora já emendei outro trabalho aqui, que é o “Pernas pro Ar”, um projeto da Cláudia Raia que começou pequeno, há mais de um ano, e que agora tomou proporções de mega produção. Estou muito feliz por dividir a criação desses espetáculos com profissionais renomados como a própria Cláudia, o Luiz Fernando Veríssimo, Cacá Carvalho e Marconi Araújo.

JT – Outra grande característica do seu trabalho, além da sensualidade, é o humor. Você sempre prioriza isso nas suas coreografias?
AB – Sempre trabalho com o humor. Mesmo em cenas dramáticas, penso que o humor às vezes pode potencializar o drama, e isso é do ser humano, busco isso na composição dos personagens, esse patético da existência. Aliás, a vida já é uma grande piada, você nasce vive e morre... É ridículo! E nós estamos aqui para aproveitar o banquete enquanto é tempo, e eu não uso isso no trabalho como um escapismo, mas sim como um tom crítico mesmo, e isso me ajuda dramaticamente para contar uma história.

JT – E qual sua relação com os “franchising” da Broadway?
AB – Essa é uma estrutura que eu já conheço e não me interessa. Preciso de espaço para a relação coreógrafo/diretor/ator. Preciso exercitar a criação, mesmo dentro de uma estrutura pré-estabelecida. Se não houver esse espaço eu não me encaixo. Se eu não estiver aberto ao novo, eu vou acabar me repetindo e não quero isso. Cada espetáculo é único, cada elenco é único, mesmo em uma remontagem.

JT – E quais os planos futuros?
AB – Um dia depois da estreia do “Pernas pro ar”, eu embarco para a Alemanha, para ensaios de uma remontagem minha de “Hair”. Só depois é que volto para minha casa, em Viena, devo voltar ao Brasil para a montagem de “Gipsy”, e novamente Viena para uma montagem de “Vitor ou Vitória”.

JT – E o sonho de conhecer a Pina Bausch, se realizou?
AB – Essa é uma história boa, quando eu estava ensaiando “Rock Horror Show” em Viena, ela abriu audições para um trabalho sobre a Áustria. Eu faltei ao ensaio do espetáculo para fazer o workshop, ao final da audição ela veio falar comigo e disse que tinha gostado muito de mim, mas meu perfil era muito latino para um espetáculo sobre a Áustria (risos) e não poderia me usar para esse trabalho, mas que as portas de sua cia estavam abertas para eu fazer aulas e tentar futuros trabalhos com ela. Eu não pude ir porque estava sob contrato, mas, de certa forma, o sonho se realizou. Foi um momento muito especial para mim, que eu guardo com muito carinho.

 

Grupo Movasse trabalha a dança contemporânea através da independência e afinidade artística, sem abrir mão do incentivo de editais

Por Ive Andrade

Formado há apenas três anos, o grupo Movasse foi idealizado por quatro bailarinos que uniram suas afinidades com o desejo de atuar em um espaço independente e “um coletivo de criação em dança com um trânsito livre de pessoas e ideias”, como eles mesmos definem. Apesar de virem de diferentes lugares do Brasil, seus destinos se cruzaram na companhia Primeiro Ato, onde trabalharam durante diversos anos. Em 2006, o paraibano Carlos Arão, a pernambucana Andréa Anhaia e os mineiros Ester França e Fábio Dornas já estavam fora da conceituada companhia e decidiram enfrentar o desafio de ter sua própria. Então, em Belo Horizonte, surgiu o Movasse.
“Desenvolvemos nossas afinidades artísticas no Grupo de Dança Primeiro Ato. Criamos o Movasse para termos ter um coletivo onde trabalharíamos juntos, mas com uma certa independência”, conceitua Andréa Anhaia. A ideia dos bailarinos era ter a oportunidade de criar livremente e continuar a trabalhar em conjunto. “Gostamos de criar juntos. A afinidade entre nós é muito grande. Só que somos muito diferentes e a gente se complementa”, explica outra fundadora, Ester França.
Apesar de jovem, o Movasse já tem cinco espetáculos em seu currículo. Todos com a participação dos seus criadores, seja na coreografia, na música, na direção, na produção ou, de fato, dançando. “Nos vemos como bailarinos, mas a gente faz de tudo na companhia”, afirma França. “Às vezes cansa, pois não paramos um minuto. Ter a companhia não permite que você se dedique somente à arte. Tem outros aspectos, como produção, a serem considerados”, completa o bailarino Fábio Dornas, que faz o papel de produtor e contatos pelo grupo, assim como Carlos Arão. As mulheres se dividem nos aspectos mais técnicos, como revisão e o desenvolvimento escrito de projetos para editais.
O incentivo fornecido pelos editais, eles admitem, é a melhor forma de conseguir levar o trabalho adiante, mesmo que no limite, de certa forma. O primeiro trabalho do Movasse teve o incentivo do edital “Rumos Dança”, do Itaú Cultural. “A gente tem que se adaptar um pouco às regras do edital, mas, às vezes, conseguimos fazer exatamente o que queriamos, como no nosso último edital com a Funarte”, explica França, referindo-se ao trabalho do grupo que deve estrear em fevereiro de 2010, “De Cujus”. “[Nesse espetáculo] o processo criativo parte das memórias individuais relacionadas à família. Este espetáculo tem um formato curioso, pois será construído em uma casa de família de Belo Horizonte, sendo também apresentado lá. A casa será o cenário e o dispositivo para o resgate destas memórias”, conceitua Anhaia.
Como bailarinos independentes, os fundadores do Movasse afirmam que “não se bastam” e por isso desenvolvem projetos também fora do grupo, com outros profissionais e também juntos. No caso de “De Cujus”, o espetáculo terá outros quatro bailarinos: Peter Lavratti, Marise Dinis, Cristina Rangel e Sirah Badiola.

Serviço
O Grupo Movasse está com uma nova sede em Belo Horizonte, no Centro Artístico de Dança (Rua Marília de Dirceu, 226 - Pilotis, bairro de Lourdes), onde, além dos ensaios, também acontecem aulas e oficinas ministradas pelos criadores do coletivo. Outras informações em www.movasse.com

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