Por Alysson Cardinali Neto
Para quem ainda não ligou tais nomes à pessoa de Ary Fontoura, trata-se de parte da seleta lista de personagens às quais o ator – com raro talento e versatilidade de sobra – deu vida nas novelas “Tieta” (1989), “Bebê a bordo” (1988), “Roque Santeiro” (1985), “Amor com amor se paga” (1984) e “Guerra dos sexos” (1983). Uma carreira intensa e vitoriosa. São mais de 50 anos em ação, não só na telinha, mas nos palcos das salas de teatro e no cinema, onde este aquariano (nascido em Curitiba, no dia 27/1/1933) invariavelmente encanta plateias dos mais variados gostos. Eclético, Ary brilha com sua estrela em papeis dramáticos ou cômicos e tem como meta a entrega absoluta ao trabalho. “É através dele que eu exercito a vida”, diz, sem esconder sua paixão pela arte. “Sem ela, não seria a pessoa que sou.”
Ary Fontoura começou cedo o caminho para se tornar o ator talentoso que é. Aos quatro anos de idade já imitava os adultos ao seu redor e criava cenas teatrais. “Aos dez anos, comecei a cantar em programas infantis da Rádio Clube Paranaense. E daí, ninguém me segurou mais, pois tomei consciência que seria um artista”, revela Ary, que começou a fazer teatro no Colégio Estadual do Paraná. Em 1950, criou a Sociedade Paranaense de Teatro e, em 1955 (ao lado de Glauco de Flores de Sá Brito), o Teatro Experimental do Guaíra, onde atuou em “É Proibido Suicidar-se na Primavera”, primeira montagem teatral independente a apresentar-se no Auditório Salvador de Ferrante (Guairinha). Em 1956, dirigiu “Sinhá Moça Chorou”, de Ernâni Fornari, e “Uma Mulher do Outro Mundo”, de Noel Coward. Em 1958, fundou o antigo (e extinto) Teatro de Bolso, na Praça Rui Barbosa, na capital paranaense.
“Acredito que toda a trajetória que vivi em Curitiba, foram 15 anos, contribuiu para a formação do meu ator. Lá eu fiz rádio, cinema, televisão e teatro e nenhum trabalho com menor importância”, avalia Ary, cuja formação artística vem do corajoso ato de viver a vida intensamente, uma escolha que formaria não só seu caráter, mas aprimoraria sua vocação. Afinal, Ary chegou a engraxar sapatos, trabalhou como cozinheiro em uma lanchonete e cursou até o último ano da faculdade de direito. Atitudes que moldaram, também, a sua sensibilidade. “Eu, desde os oito anos, trabalho e me sustento. E vejo que trabalhar é coisa de Deus. Afinal, cabeça vazia é oficina do diabo”, ensina.
Temporada Carioca
A necessidade de ampliar seus objetivos, segundo o ator, o trouxe para o Rio de Janeiro, em uma data, no mínimo, inusitada: 31 de março de 1964, dia em que foi instituído o Ato Institucional Número 5 (AI-5), que mergulhou o Brasil em um dos períodos políticos mais conturbados de sua história, em uma ditadura que durou 20 “intermináveis” anos. “Foi um dia em que todo mundo estava saindo das ruas. Cheguei quando se instalava o regime e todos pagamos a conta da censura e da crueldade da ditadura, mas, hoje, não me vejo vivendo em outra cidade. Também elegi o Rio como a minha Cidade Maravilhosa”, revela, com carinho, Ary, que, apesar da total adaptação à cidade e à trajetória profissional vitoriosa que construiu desde que deixou Curitiba, ainda mantém a humildade de menino quando fala sobre a fama: “Fama é reconhecimento de trabalho bem feito. O mais importante, porém, é o respeito ao público, responsável por te dar essa posição.” Ary evita vangloriar-se pelo sucesso obtido ao longo de sua carreira. “Não sou tão virtuoso quanto pensam, mas luto pela generosidade e pela humildade”, diz. Ele prefere falar, mesmo, é de teatro, uma de suas paixões. “O teatro é a base do ator, é a base de tudo”, ensina, aproveitando para mandar um recado à nova geração de atores. “Meu conceito com relação à nova geração é o melhor possível. Os jovens atores, que não estão no teatro, precisam ter o teatro dentro de si. A minha dica a eles é que trabalhem, trabalhem e trabalhem”, frisa.
Interpretar como
ofício e paixão
Mas nem tudo, no teatro brasileiro, tem deixado Ary satisfeito. “Escreve-se muito pouco para teatro. Precisamos de bons autores e boas histórias. Muitas peças em cartaz me chamam a atenção pelo bom texto, da mesma forma que outras me decepcionam pelo texto ruim”, revela Ary, que guarda com carinho, na memória, alguns trabalhos que executou nos palcos. “Na década de 1980, fiz excelentes trabalhos em teatro, quando pertencia ao elenco fixo do Teatro dos Quatro que, na época, era subvencionado pela Shell. Foi aí que fizemos ótimas peças com elencos excelentes: “O Rei Lear”, “Assim é se lhe Parece”, “Sábado, Domingo e Segunda” e “A Ópera do Malandro” foram títulos que, sem dúvida, engrandeceram o meu currículo”, avalia Ary.
Embora seja apaixonado por teatro, Ary Fontoura não é menos aficionado pela televisão e pelo cinema e diz atuar feliz e bastante confortável em todos os meios. “Nada que faço em teatro, TV ou cinema me desagrada. Procuro entender que cada trabalho novo é um desafio e me preparo para isto. É como se eu fosse um operário. Mas não brinco em serviço, pois o público merece o melhor de mim. Quando você faz alguma coisa por amor, isto não se constitui em nenhum sacrifício”, diz. “A mudança do veículo só modifica a forma e a técnica de como contamos a mesma história”, ensina, novamente, o mestre. Palavra de quem sabe. Afinal, só de Rede Globo, são 41 anos encantando e emocionando milhões de pessoas.
“Costumo sempre dizer que estar na televisão é também importante para um ator expandir o seu trabalho e firmar sua qualidade junto ao público. Teatro e TV são uma dobradinha infernal”, avalia Ary, que viveu o ápice de sua carreira na televisão na novela Roque Santeiro, no início dos anos 1990. “O grande momento de minha vida profissional, na televisão, foi na TV Globo, na época de Roque Santeiro, uma novela que no seu último capítulo foi assistida por 90% do povo brasileiro. Foi o maior público que já tive. Se tiver que somar todas as pessoas que me viram no teatro nesses 55 anos – e olhe que fiz muitas peças! – não igualaria em número o que o último capítulo do ‘Roque’ conseguiu”, frisa Ary, que destaca, ainda, na televisão, sua atuação como Baltazar Camará, na novela “Espigão”, de Dias Gomes. “No teatro eu destaco O Bobo, do ‘Rei Lear’ de Shakespeare. Já no cinema, a Dona Dina Rocha (do filme ‘A Guerra dos Rocha’, de 2008)” considero um presente para mim”, diz.