Por Carlos Gabriel
...Por Carlos Gabriel
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Por Rodolfo Lima, especial para o Jornal de Teatro
(...) e acreditávamos que um dia seríamos grandes, embora aos poucos fossem nos bastando miúdas alegrias cotidianas que não repartíamos, medrosos que um ridicularizasse a modéstia do outro, pois queríamos ser épicos heróicos românticos descabelados suicidas, porque era duro lá fora fingir que éramos pessoas como as outras(...) Caio F.. - (“Visita”)
A relação do teatro com Caio Fernando Abreu é antiga. Mais precisamente do ano de 1976, quando, junto com Luiz Arthur Nunes, estreou “Sarau das 9 às 11”. Nunes, no prefácio da edição esgotada – relançada agora pela Editora Agir com supervisão de Marcos Breda – do “Teatro Completo de Caio Fernando Abreu”, afirma que, desde o final dos anos 1960, o escritor já estava envolvido com os atores gaúchos. O autor chegou a excursionar por cidades do Rio Grande do Sul, atuando na peça “Serafim-fim-fim” de Carlos Meceni.
Embora menos conhecida, a faceta dramaturga do Caio teve seu reconhecimento em 1988, quando dividiu com Nunes o Prêmio Molière de melhor autor do ano, pela peça “A Maldição do Vale Negro”. A edição lançada em 1996 – nove meses após sua morte – traz sete peças e um punhado de cenas avulsas, como frisou o autor do prefácio. Entre as quais se tornaram conhecidas estão “Pode ser que seja só o leiteiro lá fora” (Prêmio Serviço Nacional do Teatro), “O Homem e a Mancha” (que viria a ser montado em 1996 pelo amigo e ator Marcos Breda), “Zona Contaminada” e a sua adaptação do romance “Reunião de Familia”, de Lya Luft, dirigida por outro amigo, no caso o diretor gaúcho Luciano Alabarse.
Caio Fernando Loureiro de Abreu nasceu dia 12 de setembro em Santiago do Boqueirão, no Rio Grande do Sul – quase fronteira com a Argentina. Sua carreira como escritor começou a ganhar projeção quando um conto seu, “O Príncipe Sapo”, foi publicado na Revista Claudia, em 1966. Caio estava com 18 anos e já guardava na gaveta “Limite Branco”, seu primeiro romance. Escritor, jornalista, cronista, tradutor, crítico, roteirista, dramaturgo, esotérico e jardineiro estão entre as facetas que o autor exerceu durante os 48 anos que viveu “andando pelo mundo, prestando atenção em cores que não sabia o nome (...) divertindo gente, chorando ao telefone” – parafraseando a música “Esquadros” de Adriana Calcanhoto, uma de suas musas.
A vida literária de Caio ficará para uma próxima resenha. Mas é bom frisar que o autor sempre rejeitou rótulos, enquadramentos e definições definitivas sobre seu trabalho. “Eu não tenho opinião definitiva sobre nada. Não acho que isso seja insegurança.. Acho que é abertura. Tudo é passível de uma outra interpretação”, escreveu certa vez. Vou me ater aqui – brevemente – na relação estabelecida entre Caio, o teatro e o fascínio que a obra de Abreu exerceu e continua exercendo sobre os atores.
Os amigos foram os primeiros responsáveis em dar visibilidade à obra de Caio nos palcos. Além de Alabarse, Nunes e Breda, acrescente Gilberto Gawronski, Grace Gianoukas (“Sobre o Amor e Amizade”) e Nara Keiserman (“(Eu) Caio – Jogo Teatral”). A relação de Gawronski com os textos do Caio rendeu diversas encenações: “Pode ser que seja só o leiteiro lá fora” (1983), “Uma Estória de Borboletas” (1991), “A beira do mar aberto”, “A Dama da Noite” (1997), “Do outro lado da tarde” (1998) e “Uma visita ao fim do mundo – um estudo cênico” (2006). Natural que quando os amigos pessoais esgotassem a necessidade de viver as personagens do Caio, anônimos assumissem a dura tarefa de levar adiante projetos teatrais a partir da obra do autor.
Numa conversa pelo telefone com Jorge Cabral, cunhado do autor e representante legal da sua obra, a representatividade do teatro em relação à obra do Caio é pequena. Sempre o procuram para que liberem os direitos dos textos, mas não acredita que seja o teatro a mola propulsora para alavancar a memória do artista. “Não acho que o teatro seja o responsável por sustentar viva a obra do Caio. Ele tem um público cativo que o lê. O fato de ter conseguido que a obra dele fosse relançada pela editora Agir ajudou. Nesses cinco anos que o Caio ficou sumido – logo após sua morte, foi esquecido. Suas obras em edições novas trouxeram visibilidade, agregada aos dez anos de seu falecimento, que ocasionou algumas homenagens. O teatro tem sua parte, mas não é fundamental”, reforça Cabral.
MOSTRA CAIO F.
Eis aí onde se encaixou a Mostra Cênica Caio F., primeira mostra paulista que reuniu trabalhos concebidos a partir da obra do gaúcho, morto há 13 anos, e mostrou que o teatro nunca o esqueceu. Montagens espalhadas por vários cantos do País, exercícios cênicos em final de curso, teses de mestrado e doutorado por todo o canto – ano passado participei de dois eventos na UNESP, onde cerca de dez alunos estudavam sua obra – fazem com que a memória de Caio permaneça viva. A mostra foi um recorte bem modesto das dezenas de encenações que existem.
Em parceria com o Casarão do Belvedere, produzi uma programação de terça-feira à sábado durante os meses de maio e junho deste ano. “Acho importante falar do Caio hoje, porque tudo que ele aborda é contemporâneo e você sempre se identifica com algo. E a forma como ele fala destas questões atuais é muito poética. A poesia é algo que está se perdendo. Portanto, seus textos me encantam e dizê-los é uma forma poética de resgatar essa valorização da palavra. Suas palavras têm cor e imagens. Ele nos toca magistralmente. As imagens sugeridas pelo Caio não são vistas como banais, despertam o belo na rotina, no óbvio”, comenta Ivania Davi, que participou na mostra como diretora (“Réquiem para um rapaz triste”) e atriz (“Epifanias”).
A Cia. Teatro Íntimo trouxe o monólogo “Os Dragões” pela primeira vez a São Paulo. Sobre o esforço de fazer todo o trajeto sem apoio financeiro, Fernanda Boechat – atriz do monólogo em questão – comenta: “Não acho que essa devoção seja especifica do Caio. Mas é um excelente exemplo dessa paixão. Esse tipo de projeto que entramos sem nenhum recurso financeiro é relacionado com uma necessidade pessoal do grupo. Uma das coisas mais bonitas que o Caio deixou foi essa possibilidade de se apaixonar pelos seus textos. O texto dos dragões é uma necessidade dentro de mim e vai me acompanhar independentemente do meu estado no momento. O sentimento da paixão resume isso.”
Thiago Kozonoi, responsável pela direção de “Pode ser que seja...” fala sobre a possibilidade dos textos do autor serem datados. “Caio não fala de uma época especifica. Ele aponta. Os personagens são intelectualizados, tem uma postura hippie, mas é uma escolha deles. Todos os personagens trazem sua própria visão de mundo. É mais humana do que situacional. O legal é a contradição que há entre eles, com argumentos distintos e complexos”.
Para a mostra, Paulo Goya – o responsável pelo Casarão – concebeu sua versão para “O dia que Júpiter encontrou Saturno”, conto da fase mística do autor, presentes no livro “Morangos Mofados”. “Confesso que conhecia o Caio como leitor, mas não era apaixonado pela obra dele. Quando, em 2008, vi a montagem do “leiteiro”, eu fiquei surpreso. Eu acreditava que era uma obra datada, viva mais datada, e descobri que havia no texto uma contemporaneidade de estilo e temática.
A fragmentação das relações amorosas, o fim das utopias, a impossibilidade do amor, a solidão desenfreada e os vícios cotidianos, a eterna espera pelo outro, a loucura do dia-a-dia, a homossexualidade, o misticismo, a religiosidade, sua relação com as flores, com o vírus HIV e a urbanidade de seus contos e personagens estão presentes na obra do autor e muito bem representados nos espetáculos.
Os textos expostos na mostra nada mais foram do que um recorte singular da vasta obra do autor. Caio se tornou um homem de teatro e seu amor por atores e pelo palco é reverenciado a cada montagem que estreia anualmente em algum canto do Brasil.
Reunir todos seria um sonho impossível. Uma segunda edição da mostra já me inquieta, pois possibilitaria ver outros textos encenados, outras propostas e outros sotaques para as personagens do Caio. Autor, esse envolvido sempre com os problemas do homem, no que os fazem semelhantes – independentemente do que os separam fisicamente – e nas questões internas cada vez mais minadas pelo mundo exterior. “Tenho escrito principalmente sobre esse nosso tempo (...) para desvendar camadas ocultas e mais profundas da realidade e do ser humano até a fronteira da miséria e da loucura (...) E como tudo está mudando, e como eu próprio estou mudando e como é inevitável que as coisas sejam mutações constantes, metamorfoses incessantes, meu trabalho sempre mudará (...) Literatura é também meu jeito pessoal de ajudar a derrubar as prateleiras para preparar um novo mundo”, observou Caio numa entrevista concedida ao jornal Folha de S. Paulo em 7 de novembro de 1977.
Pouca coisa mudou nas angústias do homem? Vivo me perguntando. Trinta e dois anos após a entrevista a voz de Caio permanece ressoando. Uma casa para um homem que nunca teve seu próprio imóvel parece pouco. Axé (como escreveu Caio em algumas de suas cartas).
*Rodolfo Lima é jornalista e ator. Contato: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.
Dramaturgo espanhol, idealizador do Teatro Pânico, veio ao Brasil e falou sobre a sua criação: uma nova tendência teatral
Por Pablo Ribera
Fernando Arrabal não é só o autor espanhol mais encenado no mundo. Trata-se de um dos poucos autores do chamado Teatro do Absurdo que ainda vivem e produzem. Criou uma nova categoria, algo novo até então, o Teatro Pânico. Controvertido, cultiva uma estética irreverente tanto na sua obra quanto nas suas aparições públicas. Recebeu o reconhecimento internacional pela sua obra narrativa (11 novelas), poética (diversos livros ilustrados por Amat, Dalí, Magritte, Miotte e Saura, entre outros), dramática (numerosas obras de teatro publicadas em dezenove volumes) e cinematográfica (seis longas-metragens).
Arrabal é um dramaturgo e novelista de grande sucesso, um dos mais produtivos artistas de seu tempo. Abandonou sua terra natal em 1955, segundo ele mesmo diz, “por motivos de liberdade”. Desde então, vive exilado na França. Criador versátil e inquieto, iniciou, na década de 1960, o Teatro Pânico, movimento que se diferencia de outras tendências artísticas e que teve como influências o dadaísmo e o surrealismo – foi fundado em Paris, junto com Alejandro Jodorowsky, cineasta chileno, e Roland Topor, pintor, escritor e ator francês, cujo manifesto expressava a intenção de conciliar o absurdo com o cruel, identificar a arte com o vivido e adotar a cerimônia como forma de expressão.
O Teatro Pânico, que o próprio Arrabal qualifica como presidido pela confusão, pelo humor, pelo terror, pelo azar e pela euforia, está baseado na busca formal, tanto espacial quanto gestual, e na incorporação de elementos surrealistas na linguagem. Arrabal explica que esse tipo de teatro, enquadrado na tendência do absurdo, assume o olhar do menino (poupado de toda racionalização) e concebe o cenário como centro de confusão, de terror, de euforia, de caos, mas também culto da felicidade e desprezo de toda lei moral. Através de suas estreias e sua publicação, em Paris, o teatro de Fernando Arrabal alcançou renome universal.
Infância (1932-1946)
Fernando Arrabal Terán nasceu na cidade de Melilla, na Espanha, no dia 11 de agosto de 1932. Foi o segundo filho do oficial do Exército espanhol, Fernando Arrabal Ruiz, e de Carmen Terán González. Em julho de 1936, durante o pronunciamento militar que provocou a Guerra Civil Espanhola, o pai de Fernando Arrabal se manteve fiel à República, o que causou sua condenação à morte pelos rebeldes. A pena foi mais tarde substituída por 30 anos de prisão. Fernando Arrabal Ruiz passou pelas prisões de Monte Hacho, em Melilla (aonde tentou se suicidar) e Ciudad Rodrigo e Burgos, até que, em dezembro de 1941, foi trasferido para o Hospital de Burgos, com uma suposta doença mental. Investigações posteriores sugeriram que a doença foi inventada para que ele fosse levado a um lugar menos vigiado.
No dia 21 de janeiro de 1942, Fernando Arrabal pai fugiu do hospital, de pijama, com um metro de neve sobre os campos. Jamais houve alguma outra notícia dele, apesar das buscas minuciosas que foram feitas. Tal acontecimento traumatizou Arrabal filho, que sofreu bastante com o desaparecimento do pai.
Enquanto isso, em 1936, a mãe de Arrabal voltou a Ciudad Rodrigo, onde se instalou junto a Arrabal e seus dois irmãos enquanto ela ia trabalhar em Burgos, naquela época capital de Bando Nacional e residência do General Francisco Franco, que, na época, governava ditatorialmente a Espanha. Em 1937, Fernando ingressou no Colégio das Teresianas, até que, em 1940, terminada a Guerra Civil, a mãe e os irmãos se instalaram em Madrid.
Em 1941, Fernando Arrabal ganhou um concurso de crianças superdotadas e uma vaga no Colégio de los Escolapios de San Antón, mas, no ano seguinte, mudou-se para o Escolapios de Getafe. Nessa época, Arrabal começou suas experiências de garoto de rua e suas escapadas de casa. Estas experiências, segundo ele mesmo reconhece, foram muito úteis em sua vida.
Juventude (1947-1957)
Em 1947, a mãe de Arrabal o obriga a começar os cursos preparatórios para entrar na Academia General Militar, mas Arrabal não assiste as aulas. Em 1949, é enviado a Tolosa (Guipúzcoa) onde estuda na Escola Teórico-Práctica da Indústria e Comércio do Papel. Nessa época, em 1950, Arrabal escreve uma série de obras teatrais, hoje inéditas. Em 1951, começa a trabalhar na Papelera Española. É mandado para Valência, onde termina o colegial, e logo vai a Madrid, onde, em 1952, começa a estudar Direito. Durante esses anos, Arrabal frequentou o Ateneu de Madrid e os poetas postistas, além de escrever novas versões de Pic-Nic (então chamada Los soldados) e El triciclo (chamada inicialmente Los hombres del triciclo).
Em 1954, viaja a Paris, onde vê a representação da obra “Madre Coraje y sus hijos” (Mãe Coragem e seu filhos), de Bertolt Brecht, que Berliner Ensemble apresentou no teatro Sarah Bernhardt, na capital francesa. Em 1955, consegue uma bolsa de estudos de três meses na capital francesa, e, enquanto mora no Colégio de España de la Cité Universitaire, adoece gravemente de tuberculose. Arrabal sempre considerou esta doença como uma “desgraçada sorte” que lhe permitiu ficar definitivamente onde considera hoje a sua verdadeira pátria, a França.
Processo e prisão
Foi julgado pelo o regime franquista e preso em 1967, apesar da solidariedade da maioria dos escritores daquela época, desde François Mauriac até Arthur Miller e do requerimento do célebre dramaturgo irlandês Samuel Beckett. A morte do General Franco, em 1975, lhe permitiu alcançar um verdadeiro reconhecimento em seu país natal. Algumas de suas peças ficaram constantemente em cartaz durante anos, como a “Carta de Amor com María Jesús Valdés”, no Teatro Nacional.
Em 1989, protagonizou um episódio que alcançou grande fama na Espanha, ao comparecer com evidentes sinais de embriaguez na reunião televisiva de Fernando Sánchez Dragó. Suas constantes interrupções ao grito de “falemos do milenarismo”, assim como seu passeio cambaleante por todo o estúdio, marcaram um antes e um depois a respeito da fama de Arrabal entre o público médio espanhol. Arrabal é provavelmente o dramaturgo mais representado na atualidade. Ele realizou sete longa-metragens como diretor.
Fernando Arrabal escreve há 30 anos a crônica de xadrez da “L’Express” e colabora nos jornais espanhóis “El Mundo”, “El País” e “ABC”. O autor esteve em São Paulo, no Instituto Cervantes, dia 10 de agosto, para participar da mesa de debates “Um Certo Arrabal”. O convite foi do diretor Reginaldo Nascimento, do Teatro Kaus Cia. Experimental, que está produzindo a peça “O Grande Cerimonial”, texto de Arrabal.
Prêmios
Apesar de ser um escritor polêmico, Arrabal recebeu prêmios internacionais por sua obra (Grande Prêmio de Teatro da Academia Francesa, o Nabokov de novela, o Espasa de ensayo, o World’s Theater, entre outros).
Narrativa
Fiesta y ritos de la confusión
La torre herida por el rayo
La virgen roja
La hija de King Kong
La extravagante cruzada de un castrado enamorado
La matarife en el invernadero
Levitación
El mono
La piedra iluminada
El entierro de la sardina
Un teniente abandonado
Porté disparu
Champagne pour tous
Com suas novelas, ganhou o prêmio Nadal e o Nabokov Internacional.
Obra poética
Tem livros ilustrados por Pablo Picasso, Salvador Dalí, René Magritte, detre outros, entre os que se destacam Mis humildes paraísos e La piedra de la locura
Obra dramática
Uma centena de obras de teatro publicadas em 19 volumes:
El triciclo (1953)
Fando et Lis (1955)
Guernica (1959)
La Bicicleta del condenado (1959)
El Gran Ceremonial (1963)
El arquitecto y el emperador de Asiria (1966)
El Jardín de las delicias (1967)
El laberinto (1967)
Bestialidad erótica (1968)
El Cielo y la Mierda (1972)
El cementerio de automóviles (1959)
Jóvenes bárbaros de hoy
...Y pusieron esposas a las flores
La tour de Babel
Inquisición
Carta de amor (como un suplicio chino)
La noche también es un sol
Delicias de la carne
Uma de suas obras dramáticas mais importantes é El arquitecto y el emperador de Asiria, uma obra escrita na segunda etapa de sua vida drámática.
Ensaios
La dudosa luz del día
El Greco
Bobby Fischer: el rey maldito
Carta al GeneralFranco
1984: Carta a Fidel Castro
Carta a Stalin
Un esclavo llamado Cervantes
Goya-Dalí
Echecs et mythes
Fêtes et défaites sur l’échiquier
Les échecs féériques et libertaires
“Uma agulha hipodérmica mergulhada diretamente na veia emocional do espectador.
Com quase 50 anos de carreira, o cenógrafo e artista plástico ainda
é reconhecido pelo fantástico trabalho que faz desde os anos 1960
Por Pablo Ribera
Elifas Andreato é sinônimo de arte e sucesso. Em quase 50 anos de carreira, criou cenários e diversas ilustrações para o teatro, a música e o cinema brasileiros. Revolucionou com seus traços diferentes e inovadores, além de trazer um conceito novo para a cultura do País, o que faz com que ele seja reconhecido no mundo todo, como cenógrafo em alguma grande peça, ou como ilustrador de um disco de MPB e até como protestante contra a ditadura militar.
Nascido em Rolândia, no interior do Paraná, em 1946, Elifas teve uma infância pobre e, por causa de sua condição de miséria, foi analfabeto até a adolescência. Teve, porém, a oportunidade de mostrar seu dom: a arte. Elifas é o que se pode dizer um autodidata. Iniciou sua carreira aos 14 anos de idade, sem ter nenhum curso de desenho ou pintura.
“Comecei a desenhar quando ainda era aprendiz de torneiro mecânico, em uma fábrica em São Paulo. Meu trabalho era pintar paineis para decorar o refeitório que, aos sábados, promovia bailes, cuja renda era destinada a um caixa que a assistente social administrava para ajudar os operários mais necessitados”, explicou o artista plástico. “Eu não tinha a menor ideia de técnicas ou recursos para fazer meus quadros. Fazia com tinta a óleo de parede sobre papel”, revela Elifas, que, para encontrar a inspiração que lhe faltava, procurou trabalhos artísticos nas mais diferentes publicações. “A principal referência que me influenciou e animou para que eu continuasse foi uma reportagem na revista o Cruzeiro sobre os ‘Meninos de Brodowski’, de Cândido Portinari”.
Após desenvolver com sucesso seu primeiro trabalho, Elifas conseguiu estágio na editora Abril, onde, garante, conviveu com jornalistas que se tornaram seus grandes mestres. Foi lá, também, que ele aprendeu ainda mais e começou a tornar-se referência no meio intelectual e artístico do Brasil, além de professor de Artes na USP (Universidade de São Paulo). Elifas acredita que todos seus trabalhos são significativos, em todas as áreas nas quais produziu, mas dá grande crédito ao teatro pelo seu sucesso. “Meu primeiro prêmio como cenógrafo veio com ‘Muro de Arrimo’, de Carlos Queiroz Teles, em 1975, com Antonio Fagundes atuando e sob direção de Antonio Abujamra. Depois disso fiz uma enorme quantidade de cartazes e cenários. Portanto, o teatro, em certo período, foi meu principal espaço de atuação profissional”.
Elifas leva em sua bagagem produções como programador visual para peças teatrais como Ricardo III, de Shakespeare; Mortos Sem Sepultura, de Jean Paul Sartre; Ponto de Partida, de Gianfrancesco Guarnieri; Murro em Ponta de Faca, de Augusto Boal; Muro de Arrimo, de Carlos Queiroz Telles; Navalha na Carne, de Plínio Marcos; Escola de Mulheres, de Molière; além de desenhos feitos para capas de discos de vinil e cartazes para cinema. Para Elifas, todas as suas obras são, de alguma forma, valiosas. “Todos os meus trabalhos são importantes. Alguns mais, outros menos. Eu destacaria a capa que fiz para o LP ‘Nervos de aço’, de Paulinho da Viola, em 1973. E o ‘25 de outubro’, em que mostro o jornalista Vladimir Herzog morto numa câmara de tortura”.
Elifas explica que, para criar seus trabalhos da forma que lhe agrade, precisa, primeiro, estudá-lo. “Sempre digo que é muito difícil resumir em uma única imagem obras mais importantes que a minha. Por isso, procuro conhecer a fundo o conteúdo que me cabe ilustrar. O processo de criação é sempre muito sofrido, mas todos nós sabemos que toda e qualquer arte nasce da dor”.
Protesto contra
a ditadura
Perseguido pela ditadura militar vigente no auge de sua carreira, Elifas utilizou seu traço poético com profundo sentido social, que definiu seus trabalhos como ícones de uma geração que protestava por meio da arte. Por volta de 1969, criou, junto com o jornalista Carlos Azevedo, o “Livro Negro da Ditadura Militar”. Ali, o cenógrafo criou a famosa caveira com o quepe militar. Em seguida, um dos companheiros de Elifas foi preso pelos militares e confessou, sob tortura, quem eram os autores do livro. A partir daí, ele, Azevedo e outro jornalista, Raimundo Pereira, passaram a ser perseguidos pelo regime.
Segundo o artista plástico, a intenção dos militares era pegá-los juntos, em flagrante, para provar que os três realizavam trabalhos contra a ditadura. Felizmente, nunca foram surpreendidos lado a lado. Porém, muitos de seus trabalhos, a maioria do “Jornal Opinião”, foram censurados.
“O pior período foi durante minha atuação como diretor de arte do ‘Opinião’, depois com o jornal ‘Movimento’, ambos de oposição ao regime militar”, explicou Elifas. “Era comum termos dentro das redações censores ignorantes e muitas vezes nos confrontávamos. Isso implicou em torturas, mal-tratos e perseguições”, relembra Elifas, que sofreu maus-tratos por conta de suas produções artísticas no “Opinião, sendo que chegou a ser preso, após retratar um estudante morto pelos militares, o que piorou ainda mais a sua situação.
De acordo com Elifas, o interrogatório era extremamente violento e repleto de insultos. Ele ficou preso por mais de três horas, mas seguiu em frente, sem desistir de seus sonhos e ideais. Atualmente, Elifas trabalha na revista Almanaque Brasil de Cultura Popular, publicação mensal que circula a bordo dos voos da companhia áerea TAM. Com tiragem de cem mil exemplares a cada edição e um público leitor estimado em 300 mil pessoas, a revista divulga aspectos da cultura e da história do Brasil.
Segundo Elifas, mesmo com tanto trabalho a ser feito, há espaço para novos projetos. “O Almanaque Brasil dá muito trabalho. Exige muito. Mais o que não falta por aqui são novos e antigos projetos. Neste momento, cuidamos do Almanaque na TV Brasil e da TV Cultura e do lançamento da compilação que fizemos dos dez anos do Almanaque com a Ediouro”, diz ele, que, mesmo com a evolução da tecnologia e a mudança da visão do mundo, continua no ramo, mas de forma um pouco diferente. “O mundo mudou muito. As novas mídias são grandes veículos para divulgação de tudo. E custa muito menos, não há mais espaço para os grandes cartazes. Hoje fazemos pequenos cartazes e os distribuímos pela Internet”.
Para conhecer ainda mais o trabalho de Elifas Andreato, acesse www.estudioelifasandreato.com.br. Mais informações: www.almanaquebrasil.com.br.