Por Daniel Pinton
“Uma agulha hipodérmica mergulhada diretamente na veia emocional do espectador. Hipnotiza o olhar e fere a orelha. Desfia os nervos; disseca a psique”. Foi assim que, certa vez, a revista “Time” classificou a obra de Peter Weiss. E não houve excessos. O pintor, diretor de cinema e dramaturgo marcou por abordar com densidade eventos trágicos da história sem fazer deles um manifesto, mas, sim, um documento artístico. Foi dessa forma também que o alemão nascido em Berlim, em 1916, estreou na literatura com o microrromance “A Sombra do Corpo do Cocheiro”, em 1960, e deu alma a relativamente poucas – porém marcantes – peças que escreveu durante a sua vida, com destaque para “Perseguição e Assassinato de Jean-Paul Marat, representado pelo Grupo Cênico do Hospício de Charenton sob a direção do Marquês de Sade”, mais conhecida como “Marat/Sade”, e para “O Interrogatório, Oratório em 11 Cantos”. Nesta última, o autor foi além: não apenas estudou o assunto, mas acompanhou o processo que julgou os criminosos de guerra de Auschwitz, além de visitar o campo de concentração nazista com os membros do tribunal. Não à toa, Weiss foi considerado o novo Brecht.
“A característica essencial dos textos de Peter Weiss, tanto ‘Marat/Sade’ quanto ‘O Interrogatório’, como eu os leio, é aquela própria de um dramaturgo talentoso que, ao abordar um tema dramático, trágico, não faz dele um manifesto, uma espécie de panfleto político, mas apropria-se da historia e da forma poética, já que é arte, e toca o coração do homem para que ele não se desumanize”, explica a diretora Eugênia Thereza de Andrade que, por sinal, foi a responsável pela escolha de “O Interrogatório” para o projeto 7 Autores, 7 Diretores, 7 Encontros – Intolerância, que ela coordena no Sesc Consolação, em São Paulo. A proposta é apresentar sete obras de diferentes autores sob a temática da intolerância. “Dentre os inúmeros textos contemporâneos que abordam a tragédia humana ocorrida em decorrência da intolerância, “O Interrogatório”, para mim, é o mais significativo e corajoso. Criou uma peça contundente sobre a opressão e o direito à liberdade”, diz.
Como um seguidor intelectual de Bertold Brecht, Weiss buscou em seus trabalhos mostrar os diversos lados de um ideal e dos personagens. Procurou narrar os fatos tal como eles ocorreram. Daí, a necessidade da presença do autor nos locais onde os eventos ocorreram e da maior ligação íntima possível com os atores reais da história. “Em cada testemunho, ao vê-los ou ouvi-los, você pode sentir e emocionar-se refletidamente sobre as opções que podemos assumir quando nos calamos diante da injustiça, por exemplo. Essas eram as questões principais para Brecht e Peter Weiss”, avalia Eugênia.
MARAT/SADE MARCA ÉPOCA
Foi “Marat/Sade”, imediatamente reconhecida pelos críticos como uma das obras mais importantes do teatro moderno, que, em 1964, deu a Peter Weiss fama e reconhecimento internacionais. A peça, encenada no Schiller Theater, em Berlim, foi extraordinariamente aclamada pela imprensa. A trama, dividida por Weiss em três esferas temporais, se passa em 1808, em um manicômio de Charenton, ao sudeste de Paris (França), onde o Marquês de Sade compõe e produz uma peça sobre o assassinato de Marat, ocorrido em 1793, e trata do conflito individualidade x necessidade de revolução. Na primeira versão, Weiss finalizou a peça com um impasse, mas, posteriormente, sua verve inundada pelo contra-senso falou mais alto e o autor concluiu em favor da revolução.
Após sucesso retumbante, o escritor alemão ainda escreveu para o teatro o musical político “A Balada do Fantoche Lusitano”, em 1967, que tratou das formas de colonialismo racial e econômico; “Discurso sobre os Preâmbulos e o Desenvolvimento da Interminável Guerra da Libertação Armada contra a Opressão e as Tentativas dos Estados Unidos da América de destruir os Alicerces da Revolução”, em 1968, sobre o papel dos Estados Unidos no Vietnã; “Como se ensinou o Senhor Mockingpott a deixar de sofrer”, também em 1968, que conta a história de um morador de rua detido pela polícia; “Trotsky no Exílio”, em 1969, sobre o processo revolucionário da Revolução Russa; “Hölderling”, em 1971, sobre um hipotético confronto do poeta e romancista Friedrich Hölderlin com Friedrich Hegel, Friedrich Schelling, Johann Fichte, Johann Von Goethe e Friedrich Schiller; e “Estética da Resistência”, em 1975, sobre um grupo de trabalhadores de Berlim politicamente motivado, ansioso de conhecimento, em 1937. Nesta peça, Weiss levou o experimentalismo às últimas consequências e demonstrou de maneira definitiva as convenções estruturais e formais do romance.
Além da fama internacional, o reconhecimento à obra de Peter Weiss veio, também, através de prêmios. Foram eles o Charles-Veillon Prize, em 1963; o Lessing Prize, em 1965; o Heinrich Mann Prize, em 1966; o Carl Albert Anderson Prize, em 1967; o Thomas Dehler Prize, em 1978; o Cologne Literature Prize, em 1981; e o Büchner Prize, o Bremen Literature Prize, o De Nios Prize e o Swedish Theatre Critics Prize, todos em 1982.
A partir de 1970, a produtividade do autor diminuiu por conta de um ataque cardíaco até praticamente parar, em 1973. Peter Weiss morreu em Estocolmo (Suécia), em 1982, aos 65 anos. Nada significativo o bastante para apagar aquilo que ele já havia deixado para a posteridade. “O mais marcante em Peter Weiss é sua capacidade de nos mostrar os fatos. Muitos dizem que seu teatro era documental e os documentos são eternos”, resume o produtor André Moretti.
Obras
1960 - “A Sombra do Corpo do Cocheiro”
1961 - “Adeus aos Pais”
1962 - “Ponto e Fuga”
1963 - “A Conversação dos Três Caminhantes”
1964 - “Perseguição e Assassinato de Jean-Paul Marat representado pelo Grupo Teatral do Hospício de Charenton sob a Direção do Marquês de Sade”
1965 - “O Interrogatório, Oratório em 11 Cantos”
1967 - “A Balada do Fantoche Lusitano”
1968 - “Como se ensinou o Senhor Mockingpott a deixar de sofrer”
“Discurso sobre os Preâmbulos e o Desenvolvimento da Interminável Guerra da Libertação Armada contra a Opressão e as Tentativas dos Estados Unidos da América de destruir os Alicerces da Revolução”
1969 - “Trotsky no Exílio”
1971 - “Hölderling”
1975 - “Estética da Resistência”