Por Felipe Sil
Difícil encontrar quem nunca tenha ouvido falar de Maria Antonieta Portocarrero Thedim, atriz brasileira de 87 anos, mais conhecida como Tônia Carrero. Bastião do teatro de qualidade, a Musa de Ipanema dos anos 1940 tem uma coleção de interpretações marcantes também no cinema e na televisão. Resta o orgulho de quem superou preconceitos de críticos que, na sua época áurea, lhe torciam o nariz, talvez desarmados pela radiante beleza exalada pela atriz. Fácil entender, portanto, porque a terceira edição do Prêmio APTR (Associação dos Produtores de Teatro do Rio) homenageia a atriz.
Pelo aspecto sociológico de sua biografia, pode-se até dizer que Tônia Carrero foi uma guinada de um País que não sabia de maneira exata como lidar com a Segunda Guerra Mundial. Com toda a família a seguir a carreira militar, a jovem escolhe o bálsamo da arte. Apesar de graduada em Educação Física, não demorou a buscar a carreira de atriz quando se mudou para Paris, casada com o artista plástico Carlos Arthur Thiré.
Ao voltar da França, já se sobressai ao protagonizar o filme "Querida Susana", em 1947. Logo após, sua energia e vitalidade a tornariam a principal estrela da Companhia Cinematográfica Vera Cruz, em que atuou em diversos filmes durante os anos 1950. A estreia em teatro foi apenas no TBC (Teatro Brasileiro de Comédia), em 1949, com a peça "Um Deus Dormiu Lá em Casa", onde seu parceiro foi o virtuoso e já lendário ator Paulo Autran. Já conquistaria, então, um prêmio de atriz revelação pela Associação dos Críticos Cariocas. De fato, a atriz bestificaria os especialistas no meio por sua beleza e malícia, que também seriam postas em potência em 1950 com a peça "Amanhã, Se Não Chover", de Henrique Pongetti.
"Para falarmos da história do teatro nós temos que incluir a Tônia Carrero. Durante muito tempo ela teve um papel essencial de musa da arte brasileira. Mesmo trabalhando em tantas novelas e programas de TV, sua alma sempre esteve no teatro. Ela conseguiu calar a boca de críticos e especialistas que torciam o nariz para sua beleza estonteante. Sua importância é estrondosa", declara Carlos Carvalho, diretor da Escola Técnica de Artes do Rio.
Em 1953, Tônia obtém grande sucesso pessoal na cena teatral sob a direção do seu marido, o italiano Adolfo Celi, na peça "Uma Certa Cabana", de André Roussin. Sua curta, mas espetacular trajetória no TBC, inclui participações em "Uma Mulher do Outro Mundo", de Noel Coward; "Negócios de Estado", de Louis Verneuil; e no papel principal de "Cândida", de Bernard Shaw, e "Santa Marta Fabril S.A.", de Abílio Pereira de Almeida.
Junto com Paulo Autran, forma com seu marido nos anos 1950, o italiano Adolfo Celi, a Companhia Celi-Autran-Carrero. Até os anos 1960, este grupo revolucionaria a cena do teatro brasileiro ao constituir um repertório com peças de autores clássicos, como Shakespeare, e de vanguarda, como Sartre. A estreia do grupo é em 1956, com "Otelo", de Shakespeare, em que Tônia atinge uma fama de longo alcance com sua elogiada Desdêmona.
O repertório eclético e sua psique versátil permitiu a Tônia amadurecer seu já renomado talento durante o período. Sob a direção de Celi, atua em peças de sucesso como "A Viúva Astuciosa", de Carlo Goldoni, e "Entre Quatro Paredes (Huis Clos)", de Jean-Paul Sartre, ambas de 1956; "Frankel", de Antônio Callado, em 1957; e "Calúnia", de Lillian Hellman, em 1958. Em 1960, recebe o distinto Prêmio Governador do Estado de São Paulo de melhor atriz por "Seis Personagens À Procura de um Autor", de Luigi Pirandello, estreado em 1957.
Em 1965, sem a estrutura da companhia e sem a presença de Adolfo Celi, Tônia cria a sua própria empresa, a Companhia Tônia Carrero. A ideia então vigente é que a firma viabilize esporádicas montagens protagonizadas pela estrela. Interpreta com extrema habilidade e genialidade a peça "A Dama do Maxim's", de Georges Feydeau, dirigida por Gianni Ratto, em 1965, ao lado do sempre companheiro, até fora dos palcos, Paulo Autran. Em 1968, alcança um ponto alto em sua carreira com Neusa Suely, personagem principal de "Navalha na Carne", de Plínio Marcos. Após um estágio em que realizava peças favoráveis à sua beleza e elegância, Tônia se aprofunda em um mundo de sofrimentos de uma miserável prostituta. A decadência fictícia levaria a atriz à glória do teatro, garantido-a os prêmios Molière e Associação de Críticos Cariocas.
Nos anos 1970, continua a investir em peças tradicionais e de retorno garantido como "Macbeth", de Shakespeare (aliás, um inesperado insucesso), "Casa de Bonecas", de Ibsen, e "Constantina", de Somerset Maugham. Com direção de Flávio Rangel e ainda estonteantemente bela, protagoniza "Doce Pássaro da Juventude" em 1976. Nos anos 1980, Tônia começaria a década em "A Volta Por Cima", de Domingos Oliveira, em 1982 e, dois anos depois, interpretaria o papel de Sarah Bernhardt em "A Divina Sarah", de John Murrel.
Diretor da Companhia de Teatro Contemporâneo, Dinho Valadares afirma que Tônia Carrero é um exemplo para iniciantes no meio. "Seu legado como atriz não se dá em apenas uma peça. Para perceber seu verdadeiro talento é preciso relembrar toda a carreira. Foi através do amadurecimento e do lapidar de suas aptidões que ela conseguiu demonstrar que não era só um rosto bonito no meio, o que era suspeita de muita gente. Ainda deixou uma prole fabulosa de artistas como o Cecil e o Miguel Thiré", comenta.
A partir de 1986, Tônia Carrero, novamente, mudaria de maneira radical os rumos de sua carreira, deixando de investir em clássicos e textos de resultado garantido para correr o risco na produção e na interpretação de textos modernos. Seu estilo de interpretação em "Quartett", de Heiner Müller, surpreende público e crítica, o que lhe rende o Molière de melhor atriz. Em 1990, reencontra o velho parceiro de cena Paulo Autran em "Mundo, Vasto Mundo", uma coletânea de textos de Carlos Drummond de Andrade.
Na década de 1990, atua sob a direção do filho Cecil Thiré em "Ela é Bárbara", de Barillet e Grédy. Em 1999, novamente, associa-se a um encenador mais jovem, Eduardo Wotzik, para atuar em "Um Equilíbrio Delicado", de Edward Albee. Sem parar, atua em 2000 ao lado de Renato Borghi em "O Jardim das Cerejeiras", de Anton Tchekhov, com direção de Élcio Nogueira.
Na TV, Tônia também usou todo seu talento para rechear a história do veículo com personagens marcantes como a sofisticada Stella Fraga Simpson em "Água Viva", de Gilberto Braga, em 1980. A mesma performance memorável seria oferecida pela atriz na novela "Louco Amor", em 1983, com o mesmo diretor, como a também charmosa e chique Mouriel. Na TV Globo ainda fez mais história ao atuar em outros clássicos como "Sangue do meu Sangue", "Pigmaleão 70" , "O Cafona", "Primeiro amor", "Esse louco amor" e "Senhora do Destino". Tônia também entrou na história da extinta TV Manchete com "Kananga do Japão".