Por Alysson Cardinali Neto
Alegria de uns (estudantes e idosos acima de 65 anos), tristeza de outros (produtores, empresários do mundo da arte e, óbvio, parte do público que não tem acesso a tal benefício). Assim pode ser definida a adoção da meia-entrada, criada para democratizar o acesso à cultura – em teatros, museus, cinemas, shows, eventos esportivos etc – mas que, com o tempo, e com o derrame de carteiras de estudantes falsas no mercado, tornou-se uma polêmica nacional. Um dos efeitos de tal polêmica foi devastador: o aumento exorbitante no preço dos ingressos, que afastou boa parte do público e virou sinônimo de prejuízo para exibidores de cinema e produtores de teatro, entre outras pessoas ligadas ao mundo do entretenimento. A celeuma, aliás, parece estar longe do fim.
Em dezembro do ano passado, novo projeto de lei sobre o tema foi aprovado na Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado – o texto, da senadora Marisa Serrano (PSDB-MS), restringe a meia-entrada a eventos culturais e esportivos, além de vetar a sua validade nos cinemas em finais de semana e feriados locais ou nacionais (em outros eventos, como peças teatrais e shows, a meia-entrada não valerá de quinta-feira a sábado). Define, também, que apenas 40% dos ingressos de um evento sejam vendidos pela metade do preço para alunos do ensino formal (os de pré-vestibulares e os cursos de idiomas ficariam fora) e devolve à UNE (União Nacional de Estudantes) e UBES (União Brasileira de Estudantes Secundaristas) a expedição das novas carteiras estudantis, que, caso a lei seja aprovada, serão padronizadas e feitas pela Casa da Moeda, com o nome de Carteira de Identificação Estudantil.
No entanto, enquanto tal lei não for aprovada (ou vetada) pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o conflito entre Ministério Público, produtores (de teatro, cinema e shows) e entidades estudantis continua. Sem previsão de tréguas. Afinal, cada um vê, apenas, o seu lado. O MP é a favor de uma nova lei, mas, digamos, salomônica, ou seja, que beneficie tanto o estudante quanto os estabelecimentos que fornecem a meia-entrada. Já os produtores querem acabar com a lei de meia-entrada e reduzir os preços dos ingressos cheios (sem promoção), enquanto os estudantes só pensam em manter o direito à cultura por um preço mais que acessível. Fato é que, hoje, a meia-entrada é direito de todo estudante em qualquer lugar do Brasil. Para tristeza de Paulo Pélico, diretor da APETESP (Associação dos Produtores de Espetáculos Teatrais do Estado de São Paulo).
“Da forma que está, não dá. A meia-entrada não cumpre sua função original e só favorece quem tem alto poder aquisitivo, além de permitir a emissão de inúmeras carteiras de estudantes falsas e prejudicar quem paga a entrada pelo valor inteiro. Hoje, temos uma política de preços engessada pela meia-entrada”, avalia Pélico. “Acredito que a nova lei não resolverá o problema, mas o atenuará muito. Depois de aprovada, dentro de pouco tempo o preço do ingresso cairá e colocará no mercado a população que não tem acesso à cultura devido ao elevado valor do ingresso cobrado de quem não tem carteirinha de estudante. Mas não adianta lei sem fiscalização. Uma vez fiscalizada, com os preços caindo, haverá maior venda de ingressos”, acredita Pélico.
Já a UNE (União Nacional dos Estudantes) vê com ressalvas a mudança na lei da meia-entrada (é a favor do documento único de identificação, mas contra as restrições ao uso da carteirinha). Como o presidente da entidade, Augusto Chagas, estava na Europa, quem falou sobre o tema ao Jornal de Teatro foi Tiago Ventura, vice-presidente da UNE. “Temos posição contrária à proposta da senadora Serrano, pois ela restringe a meia entrada, um direito histórico dos estudantes, e os priva de acesso a elementos culturais que fazem parte do processo educativo. Entendemos que não deve haver restrição ao direito de meia-entrada, seja em bens culturais e esportivos, entre outros”, frisa Ventura.
Ele, porém, vê lados positivos no novo projeto de lei: “Desejamos realmente que a UNE volte a ter o monopólio da produção de carteiras estudantis, que nos foi tirado pelo FHC (ex-presidente Fernando Henrique Cardoso), o que permitiu o crescimento do ‘mercado de carteiras’, feito por várias entidades não acadêmicas, sem vínculo algum com os estudantes. Com isso, poderíamos acabar, ou, ao menos amenizar, a falsificação de carteiras estudantis”, frisa Chagas, referindo-se à Medida Provisória (MP) 2.208/01, que, em 2001, durante o governo FHC e capitaneada pelo então ministro da Educação, Paulo Renato de Souza, tirou o controle exclusivo sobre a emissão de carteirinhas da UNE e da UBES, o que permitiu que qualquer estabelecimento, associação ou agremiação estudantil tivesse o direito de produzi-las.
“A partir daí, qualquer escola, curso, agremiação ou entidade estudantil passou a produzir a carteira, sem nenhum parâmetro ou fiscalização. Dessa forma, multiplicaram-se as ‘empresas de carteirinha’, com claros objetivos financeiros, sem nenhum compromisso com a credibilidade da identificação estudantil”, acrescenta o vice-presidente da UNE, entidade que detinha, desde a década de 1940, o direito de o estudante pagar somente metade do valor dos ingressos. Direito, aliás, que começou a ser descaracterizado após o golpe militar, em 1964, com o fechamento das entidades estudantis. A partir daí, as carteirinhas passaram a ser livremente produzidas pelas próprias escolas e cursinhos, o que determinou, no final da década de 1970 e início da década de 1980, que até camelôs vendessem, em praça pública, identidades estudantis falsas e sem legitimidade (o quadro só foi amenizado com a reconstrução das entidades estudantis, o que reestruturou o benefício da meia-entrada, com leis estaduais por todo o País).
Paulo Pélico faz coro com o vice-presidente da UNE em relação às facilidades que as pessoas têm, hoje, para adquirir a carteira de estudante. Ele dá dicas de como se evitar as falsificações. “Não tenho números exatos sobre isso, mas é grande a quantidade de pessoas que exibe carteira falsa na bilheteria. Muitas, inclusive, grosseiramente produzidas. Deveria haver um cadastro das pessoas, das escolas. Tudo informatizado, inclusive, com cartão magnético. Quando vejo uma carteira do interior do estado não tenho como checar pois, se criar caso, dá polêmica, polícia, a fila da venda de ingressos não anda. Da forma como é feito hoje, não temos como fiscalizar”, revela Pélico.
O diretor da APETESP lamenta, porém, o posicionamento da União Nacional dos Estudantes perante o novo projeto de lei votado no Senado. “A UNE acha que o empresário é obrigado a pagar pela meia-entrada. Uma pena, pois a responsabilidade é do Estado. O que queremos é corrigir uma anomalia que penaliza o produtor e a população que paga inteira”, diz Pélico, que mantém a esperança de que a polêmica sobre a meia-entrada será finalizada. “As pessoas entendem a meia-entrada como um direito adquirido. Além disso, trata-se de uma medida impopular para os políticos, que não se dispõem a acabar com a meia-entrada para não perder votos. Fica a impressão de que eles tirariam a meia-entrada dos idosos e estudantes, o que não é verdade. Mas, apesar de ser uma medida impopular, acredito que as coisas irão melhorar”, diz.