Por Paloma Jacobina, redação Salvador
A história dos Dzi Croquettes poderia ser descrita como uma sucessão de momentos de sorte, irreverência, perdas e redescobertas. Um coletivo de 13 jovens atores reunidos em torno da proposta de tratar a homossexualidade como uma bandeira de afirmação de direitos, o grupo carioca alcançou sucesso internacional graças à Ditadura Militar – que os obrigou a deixar o Brasil para trabalhar na França, em 1973 –, ao apadrinhamento da atriz Liza Minneli – que conseguiu furar o bloqueio da imprensa local, que não recebera bem ao espetáculo – e ao talento individual de cada um dos seus integrantes.
Os pouco mais de cinco anos de existência do grupo foram suficientes para marcar muitas gerações. Com figurinos ousados, maquiagem pesada e o contraste dos corpos masculinos em trajes femininos, eles imprimiram ao espetáculo tons de grotesco, de deboche e espírito felino. Características que transformaram os Dzi Croquettes em inspiração para nomes como Ney Matogrosso, Miguel Falabella e Claudia Raia, padrinhos das Dzi Croquettas – que depois viraram As Frenéticas – e até influenciaram a linguagem ao surgir com termos como “tietagem”. Mesmo depois de separados, os Dzi Croquettes influenciaram a criação do Grupo de Teatro Vivencial, do Recife, e diversos grupos gays na Bahia, entre as décadas de 1980 e 1990.
Histórias que estão sendo recontadas através do documentário homônimo de Tatiana Issa e Raphael Alvarez, recém-lançado no Brasil, e já premiado no Fest-Rio e na 33ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. No documentário, o grupo carioca, que surgiu com o espetáculo “Gente Computada Igual a Você”, originado de um show de boate, tem sua história contada através de imagens de arquivo e de depoimentos de personalidades, como o diretor da Rede Globo Jorge Fernando, o cantor Gilberto Gil, o jornalista e produtor musical Nelson Motta e a atriz Elke Maravilha, entre outros.
Em “Gente Computada”, o grupo apresentava números cantados, dublados e dançados, entremeados por monólogos que equacionam as experiências de vida dos integrantes. Os textos de interligação, de autoria de Wagner Ribeiro, abusavam da ironia de duplo sentido e tom farsesco para tratar de temas que não podiam ser falados na sociedade reprimida pelo período da ditadura.
Mas ser revolucionário em uma época onde formas de expressões artísticas eram tidas como subversivas não foi fácil. “Passamos por apertos com a censura. Precisávamos maquiar algumas cenas, ficávamos morrendo de medo de não passar. Tivemos um prejuízo imenso, pegamos nossas coisas e fomos para a Europa. Ficamos por lá quase dois anos, e passamos por Milão, Paris e Lisboa até retornamos ao Brasil”, recorda o ex-Dzi Croquette, Cláudio Tovar, que também era responsável pela estética do grupo e hoje atua como ator na televisão brasileira.
Os trabalhos do grupo não contam com muitos registros, devido às dificuldades tecnológicas da época, mas que parecem ser redimensionados diante da telona a cada depoimento mostrado no filme. “Foi incrível ver a vida passando na minha frente. Fiquei tão emocionado, que não consegui assistir o documentário da primeira vez. Chorei, fiquei nervoso, de coração apertado, mas também feliz em ver aquela história sendo relembrada e reconhecida pelo público. Confesso que precisei me recompor para sentar e assisti-lo por completo”, revelou Tovar.
Da equipe criadora dos espetáculos do grupo, também surgiram nomes como o do coreógrafo Lennie Dale, o autor Wagner Ribeiro de Souza, e os bailarinos Cláudio Gaya, Ciro Barcelos, Reginaldo de Poli, Bayard Tonelli, Rogério de Poli, Paulo Bacellar, Benedictus Lacerda, Carlinhos Machado e Eloy Simões. Profissionais que levavam aos palcos uma proposta de vanguarda, liberação, afronta aos costumes, nostalgia e saudade. Montagens que reciclavam práticas da antiga revista musical, do show de cabaré e da tradição norte-americana do entertainment. Um árduo trabalho de interpretação e de dança do bailarino Lennie Dale, maior responsável por transformar o grupo numa trupe artística elogiada pela crítica.
“Eles eram simplesmente fantásticos e, por isso mesmo, serviram de inspiração para todos nós que circulávamos no meio artístico. Nós, das Frenéticas, tivemos grande influência no modo de vestir, falar e trabalhar deles”, revela Lídia Lagys, que começou a carreira artística nas Dzi Croquettas ou Fadas do Apocalipse, versão feminina dos Dzi, e que depois viraram As Frenéticas, já sob produção do Nelson Motta.
Segundo Claudio Tovar, o segredo do sucesso do grupo estava no talento individual de cada um dos seus integrantes. “Eu fazia o cenário e cada um bolava seu próprio figurino. Tudo era muito novo e ousado. Em muitos momentos, as coisas aconteciam por acaso. Pessoas começavam a ver mensagens subliminares em cenários e objetos que estavam ali por acaso e que passavam a ter uma identidade”, revela o ator, que entrou no grupo no verão de 1972, quando ele já existia, depois de assistir a um dos espetáculos.
Dessa mesma forma despretensiosa, afirma Tovar, foram criados os personagens que subiam ao palco vestidos de mulher, mas mantendo as pernas cabeludas e a cara cheia de pelos. “Era esse o nosso figurino. Nada parecido com as drag queens às quais queriam nos associar. Era humor inteligente. Era vanguardista e acredito que continuaria sendo até hoje, caso o grupo ainda existisse”, conclui.
E foi com essa estética de corpos nus e figurinos inusitados que os Dzi Croquettes ganharam o coração do público, da crítica e da classe artística. Ainda mais famosos, mas com o lado artístico complicado pelo uso de drogas que circulava no mundo de glamour e sucesso, eles voltaram ao Brasil para estrear duas montagens antes da dissolução: “Em Busca do Sucesso” e “Romance”.
Foi na época em que estavam com “Romance”, no Teatro Ruth Escobar, em São Paulo, que o produtor cultural e musical Antônio Carlos Pereira, o God, trabalhou com o grupo. “Eu era fã de carteirinha. Fazia parte daquele grupo de cerca de 300 pessoas que assistiam aos espetáculos quando propus que eles fossem fazer uma sessão noturna na casa Hullaballo, da qual eu era proprietário. Eles se apresentavam no Escobar em horário comercial e conosco depois da meia noite. Era um sucesso”, lembra God, que hoje mora na Bahia.