A história do maior teatro baiano quase acabou antes mesmo das cortinas serem abertas. Cinco dias antes de ser inaugurado, no dia 9 de julho de 1958, o prédio que abrigaria o maior teatro do Brasil, na época, foi destruído pela chamas. O fogaréu reduziu às cinzas o sonho baiano de possuir uma casa de alto nível. Do desastroso incêndio até a recuperação total, o Teatro Castro Alves passou nove anos fechado.
Pouco depois da reabertura, já nos anos 70, o TCA garantia seu lugar de destaque. Produções memoráveis, como o show com Caetano Veloso e Chico Buarque, que resultou em disco gravado ao vivo, e a audaciosa apresentação de Caetano e Gilberto Gil, na despedida do Brasil, antes da partida para o exílio, na Inglaterra, iniciaram a construção da história do seu palco.
Hoje, o TCA se destaca pela inovação que propõe ao seu público e aos profissionais de teatro. Desde os espetáculos a preço simbólico de R$ 1, aos finais de semana, que atuam na formação de plateia, às grandes produções que saem, anualmente, do Núcleo de Teatro do Teatro Castro Alves, a casa avança no tempo a passos largos.
"Enfrentamos muita resistência para implantar esta nova forma de trabalho. Neste segundo ano, em que os medos já foram vencidos, estamos com mais força", afirma Gramacho. Agora, o TCA.Núcleo está em fase adiantada da nova produção: "Jeremias, Profeta da Chuva".
Com um orçamento apertado, mas com muito jeitinho baiano, o corpo diretor do TCA tem uma série de projetos que acontecem paralelamente. A Série TCA, por exemplo, abriu sua 14º temporada com nomes de peso, como o Balé Nacional de Cuba e a maior companhia de dança norte-americana da atualidade, a Pilobolus.
Jeremias, profeta da Chuva é a aposta do TCA para 2009
Com estreia marcada para 6 de junho, a montagem da diretora Adelice Souza trará novidades cenotécnicas que têm sido desenvolvidas dentro do Centro Técnico do TCA, considerado referência em engenharia de espetáculo teatral. Todo em madeira, couro e sisal, o cenário faz referência ao lugar onde a história acontece: o sertão nordestino.
Sobre o palco do Jeremias, Profeta da Chuva, flutuarão ex-votos, esculturas entalhadas em madeira de partes do corpo humano feitas como forma de agradecimento a um milagre, que são bastante comuns nas igrejas do Nordeste.
Bonecos feitos de couro, retalhos e madeiras que serão manipulados pelos atores, e silhuetas feitas em papel que serão projetadas atrás de um pano para fazer sombra, também fazem parte do espetáculo. Tudo isso está sendo produzido nos ateliês do Centro Técnico sob a coordenação de Olga Gomez.
O projeto Jeremias foi selecionado entre sete propostas inscritas por uma comissão e teve o processo de escolha dos técnicos acompanhado pela diretora. Das oficinas ministradas por grandes profissionais do mercado saíram os nove componentes da equipe técnica. A produção também envolveu a criação de uma oficina de objetos cênicos e uma audição pública com 187 candidatos para a escolha do elenco.
Porque baiano não nasce, estreia!
Moacyr Gramacho é um arquiteto conhecido por seu trabalho como cenógrafo em espetáculos de teatro e de dança. Atuou em montagens como "Ensina-me a Viver", "Comédia do Fim - Quatro Peças e uma Catástrofe", "Alvoroço", "Sagração da Vida Toda" e "CO2 - Cinco Sentidos e um Pouco de Miragem". Também levaram sua assinatura o cenário de "Devir", coreografia que marcou os 25 anos do Balé do TCA. Há dois anos, ele está à frente do maior teatro do Nordeste brasileiro e promete colocar a Bahia em destaque no cenário teatral nacional.
Jornal de Teatro - O Fundo Nacional de Cultura é apresentado como mecanismo para a melhor distribuição do dinheiro de incentivo. Sabe-se que 80% dos recursos estão concentrados no Sul do País, com 3% das produções recebendo mais da metade do dinheiro investido. Você acredita que o novo sistema vá mesmo ajudar a distribuir este dinheiro?
Moacyr Gramacho - Fazer como São Paulo fez, ao emprestar uma grana pesada para uma companhia de dança, que é quase o orçamento todo que a Bahia tem de dança para o estado, não está certo. A nossa opção é, em vez disso, apoiar todos os projetos. Acredito, inicialmente, em reestruturar a sociedade para, a partir daí, ela buscar seu próprio caminho.
JT - Você concorda com a criação de critérios para distribuição dos recursos? Relevância cultural ou análise objetiva?
MG - Responderia isso com o formato que temos do núcleo, que tira a escolha da máquina. O Estado, que é o Teatro Castro Alves, não se mete no artista. A escolha é democrática, realizado por um júri composto por representante da associação cultural, representante da sociedade civil e quatro outras pessoas relacionadas à área de teatro do País. A relevância é a democratização do processo com foco na transformação. Claro que o governo tem que ter regras para a distribuição dos recursos, concordemos ou não.
JT - Quais os critérios usados pelo TCA para a escolha dos espetáculos convidados?
MG - Meu pensamento como gestor é de que a máquina tem que funcionar para a sociedade em todos os níveis. Se sobrar um dinheirinho, tentamos trazer um espetáculo importante, que não é um espetáculo de público, mas é um espetáculo de formação. Um exemplo foi a vinda de um dos diretores mais importantes da história deste País, Antunes Filho, que levou 20 anos sem vir à Bahia. Na época do lançamento do espetáculo Pedra do Reino, há dois anos, soube que ele achava que a Bahia nunca teve interesse que ele viesse, porque ele era tido como maldito. Daí, trouxemos o espetáculo para Salvador e tivemos lotação bacana. A produção quase se pagou.
JT - Para tudo isso você precisa de dinheiro. Como está a situação financeira do teatro?
MG - O teatro custa de R$12,5 milhões por ano. Esse dinheiro vem, basicamente, do Estado. Mas, além disso, nós recebemos o apoio de R$370 mil da Odebrecht e fazemos parcerias que acabam complementando nosso orçamento.
JT - O dinheiro é suficiente para manter a estrutura teatral e também estimular a criação de outras produções?
MG - Apertadinho. A gente faz mágica, mas precisava de muito mais. Só pra vocês terem ideia de parâmetro, o governo paulista investiu R$12 milhões em um projeto de orquestra juvenil, ligado a orquestra de São Paulo, cujo orçamento deste ano é de R$ 44 milhões. Todo o TCA custa o orçamento da orquestra juvenil. Daí, surgem as parcerias. Estamos estudando a máquina para torná-la mais eficiente. Estamos requalificando o espaço.
JT - Há algo que deixou de sair por falta de dinheiro ou questões burocráticas?
MG - Não posso dizer que sim. Se algum projeto deixou de acontecer, foi por minha falta de entender melhor a máquina, não por falta de dinheiro. Algumas medidas são importantes para o complemento. Um exemplo foi a parceria que o Espetáculo Jeremias fez com a Oficina de Bonecos.
JT - A crise econômica tem afetado muito as produções de 2009?
MG - Com a crise se aprende muito. Este ano, há menos dinheiro. Na verdade, é uma retenção para quando passar a crise. Mas não deixaremos de realizar nenhuma atividade que já está em vista. Devemos aproveitar para formar novas parcerias, como a da orquestra sinfônica, que terá uma parceria público-privada (PPV).
JT - A aproximação do público com o teatro vem sendo trabalhada há muitos anos na Bahia. Vocês já sentem o reflexo disso? A venda de ingressos está aumentando?
MG - Em alguns domingos, quando temos promoções para ingressos, já alcançamos números surpreendentes, como 30 mil visitantes. São pessoas que vêm de vários pontos do interior. Há algumas semanas, por exemplo, recebemos um ônibus de Irará que veio só ver o teatro, foi emocionante. Para este ano, estamos esperando grandes nomes para o domingo e acreditamos que esses números têm tudo para crescer ainda mais.