Por: Rayne Arouca, Rio de Janeiro
Há 13 anos Inez Vianna ganhou de presente da atriz Ada Chaseliov, um livro que teria despertado o desejo de uma adaptação. E esse momento chegou aos teatros do Rio de Janeiro, com o espetáculo “Nem Mesmo Todo o Oceano”, adaptado do livro de Alcione Araújo.
Em sua última conversa com o autor Alcione Araújo, que faleceu em novembro de 2012, aos 67 anos, Inez Vianna se deu conta da temporalidade da lembrança da ditadura e teve como sugestão do próprio escritor, que estreasse esse espetáculo em agosto desse ano. –“Ano que vem, serão lembrados os 50 anos da ditadura”, disse-me Alcione Araújo, no nosso último encontro, sobre a minha adaptação para o teatro de seu romance de 794 páginas, “Nem Mesmo Todo o Oceano”. Não havia me dado conta. Mas a conta era fato. 1964...2014. Enquanto a Comissão da Verdade tenta apurar fatos, até então obscuros, dos anos de chumbo, tive a certeza: é chegado o momento de vir à tona essa história que me persegue e me fascina há 13 anos e que, desde o primeiro momento que a li, sabia que um dia teria que montá-la –, relata Inez Viana.
“Nem Mesmo Todo o Oceano” é antes de tudo, um romance de geração e de ideias. Em 794 páginas, Alcione Araújo levanta questões de ética e valores, contando a história desse imaginário médico recém-formado, desde a sua difícil infância de menino pobre, no interior de Minas, os primeiros tempos de estudante, vivendo em pensões no Rio de Janeiro, as decepções amorosas, as frustrações existenciais, a difícil sobrevivência em meio às feras do asfalto selvagem, enfatizando sobretudo o seu processo de perversão espiritual.
No elenco está a Cia OmondÉ, composta por Leonardo Bricio, Iano Salomão, Jefferson Shroeder, Junior Dantas, Luis Antonio Fortes e Zé Wendell, que juntos interpretam diversos personagens, que de forma inovadora revezam as identidade dando cada um uma característica singular.
O trabalho do elenco e muito interessante, a Cia está fazendo um trabalho excelente, sabia que esse trabalho era compatível com o talento deles , no peça os seis atores se revezam em diversos papéis sem precisar trocar de roupa ou fazer um trejeito a mais – explica a atriz
A história e sobre um rapaz pobre, que se sacrificou de todas as maneiras, até conseguir se formar em médico no Rio de Janeiro, que teve memoráveis experiências sexuais, que se casou com a burguesa Elisa, que por ter sido tão alienado e ingênuo, sua apatia política o levou a ter um envolvimento fatal com o DOI-CODI e que, inacreditavelmente, se transformou num dos médicos legistas da ditadura, tendo um fim surpreendente e trágico.
Perguntas transcendentais se colocam em abundância, sobre o amor, a raiva, a liberdade, a repressão, a riqueza e a pobreza, o bom e o mal em suas manifestações que nos são tão familiares. Até mesmo a teoria comunista versus a realidade capitalista, tão fortemente debatido durante o período. No fim, no entanto, essas teses são inevitavelmente enterradas na unidade familiar disfuncional, devastada pelo abuso e pela traição.
– Na nossa peça, assim como no romance, fatos reais se misturam à ficção, nos trazendo imediata identificação de uma das mais agravantes e dolorosas épocas do nosso país, a era da inocência perdida. Esperamos que essa história possa jogar luz no lado escuro da motivação humana –, conclui Inez Viana.