Gerson Steves
“Branca e radiante vai, a noiva... Logo a seguir, o noivo amado.”
Minha mãe cantava esses versos. Nunca tinha ouvido uma gravação sequer. Achava que era cantada pela Ângela Maria, Dalva de Oliveira... sei lá, Claudia Barroso! Outro dia, acordei com a música na cabeça, fui pesquisar e baixei uma gravação.
Engraçado esse negócio de baixar. Hoje, com um computador, qualquer imbecil feito eu baixa uma gravação e coloca em um CD para tocar em uma festinha (e vira DJ), para colocar na peça dos amigos (num clique vira sonoplasta). Só não se baixa bom gosto.
Daí, lembrei das trilhas feitas pela Tunica ou pela Lu Lacerda. A Lu fez a trilha da peça que considero minha estreia profissional, com direção da Lúcia Pereira, mineira de Guaxupé que nos deixou cedo. Foi em “A Vida Impressa em Dólar”, de Clifford Odets (que só tinha sido montada pelo Oficina). Lúcia foi uma das mais importantes pesquisadoras de teatro do País, sabia tudo de TBC, Arena e Oficina. Você dizia: “Um Deus Dormiu Lá em Casa” e ela mandava a ficha técnica. Biblioteca viva, aprendíamos mais ao seu lado do que lendo.
A Lúcia montou a peça com “jeitão de TBC”. Dizia: “Vou fazer teatrão de boa qualidade”. E fez. Foi professora de muita gente boa que está por aí. E excelente diretora. Foi indicada ao Shell por “Minh’alma Alma Minha”, com Linneu Dias – que poucos sabem quem foi e ficou conhecido por ter sido casado com a Lilian Lemmertz e ser pai da Julia.
Mas falo dela por quê? Ah! Sonoplastia. A Lu Lacerda e a Lúcia Pereira colocaram em cena uma gravação do Caruso cantando “Una Furtiva Lácrima” e eu tinha que chorar. Foi a prova de que Stanislavski sabia do que falava e o tal Método das Ações Físicas tinha mesmo fundamento. Na verdade, era Pavlov puro. Sabe Pavlov? Pois é: puro. Eu segurava uma laranja, ouvia a música e chorava. Até hoje choro quando ouço a música. Ou pego uma laranja da fruteira, o que vier primeiro.
Sinto falta dos sonoplastas que pesquisavam trilhas, faziam experiências, traziam coisas para a gente ouvir no gravador de rolo. Sou do tempo do vinil e do gravador de rolo. Do papel carbono, TV a válvula, máquina de escrever.
Meus primeiros escritos saíram de uma Olivetti Lettera. E fiz cópias com carbono, além das fotocópias; não era xerox, era fotocópia. Se soubesse que carbono era um crime ecológico, não tinha usado tanto.
Leila Diniz! Era o nome da Olivetti. Verdadeira musa naquele filme do Domingos de Oliveira, “Todas as Mulheres do Mundo”, e, claro, linda de barrigão de fora na praia. Minha mãe e minhas tias acharam um horror! Só li a edição do Pasquim anos mais tarde, graúdo, quando ela já tinha morrido.
Pena as pessoas terem feito tanto teatro e não termos um registro sequer. Nunca vi Cacilda no palco. Apenas fotos e o filme horroroso da Vera Cruz, “Floradas na Serra”. Ela dizia tudo articulado, erres e esses no lugar. Jeito antigo. Devia ficar bom no teatro, onde ainda é possível falar assim.
N’Um filme Falado, Caetano fala – ele não –, uma atriz fala, aliás, como se fala naquele filme! E depois dizem que cinema é ação. Pois então, ela diz que a TV destruiu a tradição de falar mantida viva pelo teatro. Engraçado é que ficam, ela e um rapaz, falando e falando com um chiado que ninguém suporta. A telenovela imprimiu um jeito chiado de dizer o texto e que a gente passou a suportar em tudo, até no teatro! Todo mundo chia. E de maneira naturalista, sem postura, sem andar, sem elegância. A TV acabou com a elegância. Repare: nem em novela de época a maioria é elegante. Uma garotada esperta de praia que só andou de chinelo e bermuda na vida, como pode fazer novela de época?
Outro dia falei para uma pessoa: bota ponto-e-vírgula na frase. E ouvi: “ponto-e-vírgula? Mas ponto-e-vírgula não caiu em desuso?” Alguém pode me explicar o que significa essa porra de expressão: cair em desuso?
Papo de velho, né? É que eu sou do tempo do papel carbono, da máquina de escrever, da TV Excelsior. De um monte de coisas que caíram em desuso: como a elegância, o bom gosto, o glamour... a ética. Quem tá caindo em desuso sou eu!
* Gerson Steves tem 25 anos de atividades teatrais na cidade de São Paulo, tendo atuado como diretor, dramaturgo, ator, produtor e professor.
E descobriu que a canção lá de cima foi gravada por Agnaldo Timóteo.
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