Por Guilherme Genestreti, redação São Paulo
Nascida da parceria entre o governo paulista e os coordenadores da Companhia Os Satyros, a São Paulo Escola de Teatro surge com planos ambiciosos: segundo seus organizadores, ela será a maior instituição de ensino em teatro no Brasil, responsável pela formação de 1200 alunos, entre turmas regulares e de difusão cultural. ideia por trás desse novo centro é a de formar profissionais qualificados para trabalhar em todas as áreas do fazer teatral. Para cumprir com essa proposta, a escola estruturou oito cursos regulares de dois anos – atuação, direção, dramaturgia, humor, cenografia e figurino, técnicas de palco, iluminação e sonoplastia – cada um deles com turmas de até 25 alunos. Ao todo, cada curso terá carga horária total de 96 horas mensais, distribuídas em aulas de terças-feiras a sábados. Além das turmas regulares, a escola abrirá 32 cursos semestrais de difusão cultural, com temas que variam desde história do teatro a técnicas para operar recursos audiovisuais.
Até que seja inaugurada a sede definitiva, na praça Roosevelt, centro de São Paulo, a escola funcionará na Oficina Cultural Amácio Mazzaropi, no Brás. No segundo semestre de 2010, quando as aulas forem transferidas para o seu espaço oficial, os alunos contarão com salas de ensaio, teatro, camarins e biblioteca.
Os cursos serão gratuitos e a escola será mantida pelo Governo do Estado de São Paulo. Fora a gratuidade, também serão distribuídas cerca de 100 bolsas para os alunos que precisarem trabalhar durante o curso.
A direção pedagógica da escola e a coordenação de cada curso ficarão a cargo de nomes importantes da cena teatral da cidade: Alberto Guzik e Ivam Cabral, ambos integrantes da Cia. Os Satyros, serão os coordenadores de ensino; Rodolfo García Vázquez organizará o curso de atuação; Hugo Possolo, dos Parlapatões, coordenará as turmas de direção; e o cenógrafo J.C.Serroni estará por trás das turmas de técnicas de palco, figurino e cenografia.
Além deles, a jornalista Marici Salomão será responsável pelas turmas de dramaturgia; Raul Teixeira pelas turmas de sonoplastia; Guilherme Bonfanti pelo curso de iluminação, e Raul Barretto pelas turmas de humor. “Todos eles foram chamados por seus reconhecidos méritos nas artes que dominam”, frisa o coordenador Alberto Guzik.
Escola dos sonhos
Aliando a prática à teoria, os cursos da SP Escola de Teatro colocam em cheque a formação tradicional professor-aluno e preparam seus estudantes para trabalhar conjuntamente em todo o processo de construção teatral. Para Guzik, o que diferencia o ensino da SP Escola de Teatro das outras instituições é a agregação do conhecimento de todas as áreas da construção cênica: “Se a obra teatral é o resultado de um trabalho coletivo, então não apenas atores e diretores devem construir uma peça, mas também figurinistas, iluminadores e cenotécnicos”.
Para atingir essa proposta, o ensino de cada turma na escola será modular e apresentará áreas de contato com os outros cursos, possibilitando ao aluno, seja ele intérprete ou técnico de palco, enfrentar os novos desafios do teatro contemporâneo, desde a perspectiva do teatro de rua até o manejo com recursos de vídeo.
No curso de dramaturgia, o aluno-aprendiz supera o entendimento da escrita como uma obra solitária e se prepara cada vez mais para trabalhar com a criação coletiva e com o fato de que sua obra será retrabalhada pelos encenadores. E nas áreas de apoio ao espetáculo, o que se pretende é organizar um núcleo de formação com conteúdo pedagógico sistematizado, o que até então estava restrito aos ensinamentos de poucos profissionais.
Além de colaborarem com as montagens encenadas pelos outros departamentos, a escola oferecerá aos alunos das áreas de apoio e cenotécnica a possibilidade de estagiarem em empresas parceiras e aprimorar o conhecimento prático, parte importante da pedagogia dos cursos. Para os coordenadores, o estágio surge como a porta de entrada para os alunos ingressarem no mercado da economia criativa: teatro, cinema, editoras etc., que tanto precisam desses profissionais.
Entre as outras novidades trazidas pela instituição de ensino, os organizadores fazem alarde a respeito do Departamento de Ideias, núcleo que fará a ponte entre a escola e a sociedade e levará o teatro para as grandes discussões sociais, bem como a criação da maior enciclopédia digital de teatro do Brasil. Alberto Guzik se diz satisfeito: “Criamos a escola dos nossos sonhos”.
Mais informações sobre a SP Escola de Teatro: www.spescoladeteatro.org.br.
Ivam Cabral: O desafio de criar criadores
O ator Ivam Cabral é o fundador, junto de Rodolfo García Vázquez, da Companhia Os Satyros, estabelecida há quase uma década na praça Roosevelt, no centro de São Paulo. Ambos desenvolveram um trabalho teatral focado no diálogo constante com o espaço urbano e atraíram uma legião de seguidores que vinham atrás das experimentações do grupo. Hoje consagrado, Ivam embarca em uma nova fase de seu trabalho: dirigir uma escola técnica custeada pelo Estado e que pretende trazer novos parâmetros para o ensino das artes cênicas no Brasil.
Jornal de Teatro – De onde surgiu a ideia para essa escola? Como o governo procurou apoiá-la?
Ivam Cabral – Os Satyros já mantinham um projeto social no Jardim Pantanal, na periferia de São Paulo, com oficinas de atuação e formação de técnicos (iluminadores, operadores de som etc.). Em 2005, quando o então prefeito José Serra visitou o Espaço dos Satyros, na praça Roosevelt, tomou conhecimento desse projeto social e sugeriu que aproveitássemos um prédio desocupado da praça para montar uma escola de formação.
JT – O que faz da proposta da SP Escola de Teatro algo tão inovador?
IC – A filosofia da escola é a de formar profissionais do teatro que tenham uma visão global e abrangente de toda a construção do espetáculo. A formação na SP Escola de Teatro é holística: os alunos deverão se formar com uma visão apurada de tudo o que envolve a concepção de uma peça e como cada especialidade técnica (atuação, direção, iluminação...) pode interagir com as demais. É o que chamamos de artista-criador.
JT – Como adequar essa proposta de artista-criador a um curso de dramaturgia, que é uma atividade, em princípio, solitária?
IC – Uma das novas frentes da dramaturgia é justamente a criação colaborativa: o dramaturgo também tem que trabalhar com atores, diretores e com todas as demais pessoas envolvidas no processo de construção. O curso deverá prepará-lo para isso. Outro passo importante que será dado pela escola é o de batalhar pela regulamentação profissional do dramaturgo, algo que pode abrir o campo para inúmeros profissionais que atuam nessa área.
JT – Essa formação de profissionais técnicos pode fomentar a produção teatral no País?
IC – Sim. Esse é um dos propósitos da escola: preparar pessoas habilitadas a operar em uma área que exige profissionais com esses conhecimentos. O teatro é uma área bastante promissora e oferece muitas vagas para essas pessoas.
JT – Como serão os cursos regulares na escola?
IC – Serão estruturados em quatro módulos semestrais: vermelho, azul, amarelo e verde, sendo que cada um deles é autônomo e abrange uma modalidade específica de construção teatral: no módulo verde haverá predomínio das técnicas realistas, com os conceitos de Stanislavski, por exemplo. No módulo azul, o aluno tem contato com a performance e assim por diante. O módulo amarelo compreenderá técnicas relacionadas ao teatro épico-narrativo e o módulo vermelho será composto de projetos feitos pelos próprios alunos. Cada módulo é autônomo e o aluno receberá o diploma quando tiver passado por todos os quatro.
JT – Como foi a escolha dos coordenadores de cada curso?
IC – Nos pautamos por profissionais que já desenvolvessem algum trabalho importante em suas respectivas áreas. J.C.Serroni, por exemplo, mantinha oficinas de cenografia e figurino em seu espaço. Marici Salomão também desponta como importante dramaturga na cena paulistana. Além deles, profissionais que já tinham ampla experiência em seus grupos teatrais foram chamados para coordenar cada uma das áreas: Hugo Possolo e Raul Barretto, ambos do Grupo Parlapatões, Guilherme Bonfanti, do Teatro da Vertigem, e Raul Teixeira, do CPT- Macunaíma.
JT – Quando começa o curso?
IC – As inscrições para todos os interessados serão abertas a partir do dia 26 de novembro e o curso terá início no dia 20 de fevereiro de 2010.
JT – O que seria o Departamento de Ideias?
IC – Esse departamento é uma das grandes novidades da escola: é o responsável pelo planejamento de ações culturais, tais como a criação dos cursos de difusão e a sondagem de atividades que podem levar o teatro para outras comunidades, participando ativamente das grandes discussões sociais. Além disso, é por meio dele que será lançado o Programa Kairós, de distribuição de bolsas. Um projeto como esse, que vai conceder auxílio aos alunos que precisarem trabalhar durante o curso, fará com que a formação de artistas deixe de ser elitizada e atraia talentos de todas as classes sociais.
JT – Quais as outras novidades que a escola pretende trazer?
IC – Além de montar o maior acervo digital de obras teatrais do País, nós iremos organizar uma enciclopédia virtual de teatro, que será fundada no sistema wiki, o que possibilitará aos usuários gerar e alterar o seu conteúdo. É uma ideia inovadora, que promete contribuir bastante para as pesquisas em teatro no Brasil.
JT – Com a chegada da escola à praça Roosevelt, esse lugar superará de vez o estigma de lugar degradado?
IC – Sim, e o teatro é um grande responsável por provocar essas mudanças no cenário urbano.
As mudanças pelas quais passaram a praça, que vão ser ainda maiores com a chegada da escola, são o legado que nós, artistas, deixamos para a cidade. É algo que vai durar além das nossas vidas.