Barbara Heliodora

Felipe Sil / JT

O nome de Barbara Heliodora já é suficiente para fazer tremer artistas e diretores de teatro em todo o Brasil. Reconhecida pela total sinceridade com que dá suas opiniões sobre as peças que assiste (o que pode ocasionar resenhas altamente negativas e ácidas), seus ensaios e opiniões são esperados com ansiedade por quem faz os espetáculos. Quase unanimidade, jura que não se considera uma crítica a nível internacional e conversa com o Jornal de Teatro como se fosse apenas uma especialista no teatro local do Rio de Janeiro. O meio artístico, porém, sabe da verdadeira importância desta crítica de 86 anos, do Jornal O Globo, que quase foi atriz e já dirigiu peças memoráveis no cenário nacional, além de ser considerada uma das maiores experts de Shakespeare no Brasil.

Jornal de Teatro: O crítico de teatro ainda tem importância em um cenário que muitas obras parecem ser analisadas pelo valor do nome de algumas celebridades que estão em atuação?
Barbara Heliodora: O crítico sempre terá importância para aqueles que gostam de teatro e não de alguma coisa para encher o tempo com nomes de TV.

JT: Certa vez a senhora afirmou que todos são críticos. O que diferencia a senhora dos outros?
BH: Nessa mesma ocasião disse que todos são críticos porque discutem o que viram na saída do teatro. Nessa mesma ocasião eu disse que a diferença está no fato de o crítico ser um espectador mais informado (a respeito de teatro).

JT: Qual a função do crítico no cenário atual do teatro brasileiro?
BH: A mesma de sempre: colaborar na avaliação do que é oferecido, e estimular o público a apoiar o que é bom.

JT: O crítico tem perdido espaço na grande mídia?
BH: A não ser pelas circunstâncias excepcionais do Suplemento Dominical do JB, quando podia enveredar quase que pela crítica ensaiística, escrevendo 6 ou 8 laudas, o espaço da coluna tem sido mais ou menos o mesmo desde que comecei.

JT: O crítico tem todo esse poder que lhe é atribuído geralmente sobre os leitores de jornal?
BH: Eu não creio que seja nada como o mito que alguns criam; mas sem dúvida há uma parte do público que prefere ser de algum modo orientada na sua freqüência aos teatros.

JT: Talvez o teatro ainda seja o que mais preserva a relação entre criador e crítico, não?
BH: É possível, porém em todas as artes a crítica pode ou deve ser considerada como o componente final do processo criativo.

JT: O crítico Paschoal Carlos Magno defendia o incentivo a certos jovens atores. A senhora sempre costumava e acredito que continua contra isso. Por quê?
BH: O Paschoal achava que era certo estimular tudo; eu sempre acreditei que dizer que um espetáculo ruim é bom só estimula quem o faz a continuar no mesmo caminho. Creio que seja obrigação do crítico alertar o jovem quando ele está indo para o caminho errado.

JT: De certa forma, a senhora é tida como a maior das críticas brasileiras de teatro e é quase uma unanimidade no ramo. Isso é bom?
BH: É impossível falar em crítica “brasileira” quando eu só cubro o teatro do Rio; é possível que haja quem se mantenha informado sobre o teatro carioca por meio da coluna, mas isso é uma coisa diferente.

JT: Quer dizer, como se sente sabendo que a sua opinião é levada em conta por praticamente todo o cenário teatral?
BH: Se algum comentário meu sobre algum espetáculo no Rio de Janeiro puder ser aproveitado por alguém criando um espetáculo em Rondônia ou em Santa Catarina, ficarei mais do que satisfeita. Só sob esse aspecto pode ser imaginada uma presença minha em pontos distantes.

JT: "Você tem que ter um amor imenso pelo Teatro, para fazer críticas sobre ele". Explique essa frase sua.
BH: Porque você não pode imaginar como é cansativo ver um número imenso de espetáculos ruins, como acontece com o crítico que tenta ficar o mais possível em dia com o que está acontecendo na sua cidade. Ocupam palcos nesta cidade, o Rio, que é pobre em número deles, espetáculos totalmente despreparados, sem um mínimo de competência, embora chamem a si mesmos de profissionais. É preciso amar muito o teatro para não desistir.

JT: Por que abandonou a ideia de ser atriz tão cedo?
BH: Eu nunca tive uma carreira de atriz. Fiz dois ou três espetáculos no Tablado, onde aprendi muito, com Maria Clara, a respeito do processo do ensaio. Aliás, de repente me lembrei que posso literalmente provar que não queria ser atria: Quando a CTCA (Companhia Tonia-Celi-Autran) estava fazendo um teatro de segundas-feiras, Celi me convidou para o elenco de “Conversação Sinfonieta” e eu recusei, explicando a ele que não queria ser atriz. Há anos que eu tinha esquecido disso; que bom que assim posso provar minha afirmação!..


JT: Das peças que dirigiu, quais as que mais te marcaram?
BH: “Todomundo”, auto medieval, e “Comédia dos Erros”, de Shakespeare.  Gostei muito de dirigir “Do Mundo Nada se Leva”, comédia americana.

JT: Fale sobre sua relação com Shakespeare?
BH: Eu costumo dizer que quem gosta de teatro não precisa explicar por que gosta de Shakespeare.  A mistura de ação, personagens e linguagem que existe na obra dele a torna fascinante. Essencialmente, boa parte do fascínio de Shakespeare vem do fato de ele, como Molière, ter vivido dentro do teatro e criado textos para atores. Sua observação do comportamento humano, seja nas relações inter-pessoais como na fantástica penetração nas estruturas sociais e políticas, permite que, mesmo no final do séc.XVI e início do XVII ela tenha sempre o que nos dizer, já que não ficou preso a modismos fortuitos, e escreveu sobre o mais profundo e permanente. Emocionar mas, principalmente, fazer pensar, é o que Shakespeare soube sempre fazer, e não saberia encontrar uma única vez em que, relando qualquer uma de suas peças, não me tenha apanhado surpreendida por não ter captado mais aquela idéia, mais aquela imagem, mais aquela força dramática no texto.

JT: Que artistas você admira atualmente?
BH: Muitos, tanto os consagradíssimos da minha própria geração quanto os muitos que apareceram desde então. Não gosto de citar nomes porque sempre fica faltando alguém na lista, a quem eu não gostaria de magoar.

JT: Como está o cenário teatral brasileiro? Quais as melhores peças em cartaz?
BH: O cenário está um pouco como o próprio país, com alguns momentos bons e muitos problemas. No Rio, posso lembrar “O Despertar da Primavera”. “Clarice”, “Laranja Azul”, ou a adaptação argentina do Tio Vanya. Faltarão outros.

JT: Fale sobre as atuais políticas públicas de teatro?
BH: Não consigo reconhecer qualquer verdadeira política pública de teatro; e acho grave o teatro não viver mais de bilheteria.

JT: E os cursos universitários de arte cênica hoje, que já foram alvo de críticas suas?
BH: O que critiquei foi o fato de ninguém poder aproveitar gente de teatro com experiência mas sem titulação. A pura titulação sem vivência teatral não é uma idéia muito boa; e a preocupação com aplausos por estar a par do mais novo e recente leva muitas vezes com a perda do básico, ou seja, formar atores. Um ator realmente capacitado em sua profissão pode optar por qualquer tipo de repertório, seja ele experimental ou mais realista, por exemplo; mas se ele não domina a essência de seu ofício, seu potencial ficará sempre reduzido.

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