Além dos corpos torneados

Corpos torneados. Essas eram as únicas coisas em comum entre os alunos de educação de física da Universidade de São Paulo e as bailarinas clássicas do Estúdio de Ballet Cisne Negro quando começaram a trabalhar juntos, em 1977. Na época, a criadora da escola não tinha nenhuma intenção de atuar com homens, muito menos com atletas que nada sabiam sobre a arte. Ainda assim, depois de algum tempo de resistência, o desafio motivou Hulda Bittencourt, que criou, há mais de três décadas, a Cisne Negro Companhia de Dança.

“Eu nunca tinha trabalhado com rapazes. Foi difícil, ainda mais porque cada um veio de uma modalidade de esporte, sem nenhuma experiência. Apesar da minha resistência, eles permaneceram e, trabalhando com eles, percebi que o estilo não poderia ser clássico. Eles tinham corpos belíssimos, cheios de saúde, mas não sabiam nada de dança”, explica a fundadora da companhia, ao falar sobre o estilo do grupo. “Através de experimentações, movimentos naturais, percebi que o estilo moderno se encaixava melhor”.
Há 32 anos, quando começaram os trabalhos da companhia, esses 12 atletas foram os primeiros homens do grupo. A filosofia não mudou muito desde então. Atualmente, o elenco oficial é composto por 14 bailarinos, que chegaram à companhia das mais diversas formas: por seleções (que são feitas anualmente), indicações ou por serem ex-alunas do Estúdio de Ballet, no caso das mulheres. “É claro que as meninas que são da escola têm a oportunidade de fazer parte da companhia. Mas temos gente do Brasil inteiro, o que me deixa muito orgulhosa”, afirma Bittencourt, que, hoje, cuida da direção artística da companhia. “A companhia até hoje é formada por gente muito bem trabalhada, de dentro e de fora do país. Fazemos um trabalho diferente, graças à teimosia dos atletas que começaram tudo isso e da minha ousadia.”

Vocação educacional

Apesar de o Estúdio de Ballet Cisne Negro, criado há quase meio século, não ter relação direta com a companhia de dança homônima, o grupo também carrega a intenção educacional por onde leva seus espetáculos. “Viajamos muito desde o começo da companhia. E sempre que viajamos procuramos escolas nesses locais e damos aulas e workshops para pessoas que, geralmente, não têm de onde tirar essas informações. É um sucesso. As crianças adoram”, comemora Bittencourt. “Queremos sempre deixar algo na cidade que visitamos”. A ideia não é somente ensinar, mas despertar o interesse por dança em novos públicos. “Queremos atrair mais público para a dança. Além de artistas, somos educadores também”, afirma.

Sucesso contemporâneo e clássico
Desde o início da companhia, as viagens para dentro e para fora do Brasil são constantes, assim como as participações de coreógrafos renomados como Victor Navarro, Rui Moreira, Denise Namura e Patrick Delcroix. “De repente, começamos a receber diversos convites para dançar pelo Brasil e no exterior e a companhia cresceu muito”, conta. “Nosso repertório é bem diversificado”, revela a fundadora do grupo, que preza pela variedade de artistas trabalhando nos espetáculos e rejeita a ideia de ter um coreógrafo residente.
“As primeiras coreografias foram feitas por mim, mas mesmo nessa época eu já convidei outros coreógrafos. Nós não temos interesse em ter coreógrafos residentes. Para os bailarinos, trabalhar com pessoas diferentes é enriquecedor”, justifica. Já no primeiro ano do Cisne Negro, o grupo fez três espetáculos, um deles coreografado por uma das precursoras da dança contemporânea brasileira, Penha de Souza.
Hoje, a Cisne Negro Cia. de Dança tem em seu repertório 73 espetáculos, incluindo seu último trabalho, “Abacadà”, coreografado por Dany Bittencourt, com música de André Mehmari, que estreou no último dia 20, em São Paulo. “Fazemos cerca de 70 a 90 apresentações por ano.
Dançamos em qualquer lugar, da Alemanha ao interior dos estados brasileiros”, conta, com orgulho, Bittencourt, ao falar sobre uma de suas obras premiadas, “O Quebra-Nozes”.
“Fiz a coreografia de ‘O Quebra-Nozes’ para um dos aniversários da companhia. Foi uma surpresa muito grande quando ganhei o APCA. Levei um susto quando me ligaram para avisar”. O espetáculo, que está em cartaz há 26 anos, tem música de Tchaikovsky e será apresentado em São Paulo, em dezembro. A seleção de bailarinos aconteceu em meados deste ano e, desde então, os artistas têm trabalhado exclusivamente neste projeto. “É um clássico com elementos do contemporâneo, sempre fazemos essa mistura de estilos. O público gosta tanto do ‘O Quebra Nozes’ porque ele quer sonhar”, acredita Bittencourt. “E dança é justamente isso, dança é beleza”, conclui.