Por Ive Andrade
O sobrenome Souza é icônico na história da dança brasileira. Se Penha de Souza, precursora ao trazer as técnicas de Martha Gaham ao País, profissionalizou e marcou a modalidade no Brasil, a história de sua filha, Claudia de Souza, não fica atrás em termos de importância e revolução na arte. Ao completar 30 anos de carreira em 2009, Claudia traz em sua bagagem inúmeras apresentações no exterior, formação com diversas personalidades da dança contemporânea e renomados trabalhos como coreógrafa e bailarina. Entretanto, ela vê as últimas três décadas de trabalho com a mesma tranqüilidade de quem ainda está começando e tem muito caminho a percorrer.
“Eu não tinha me tocado que estava fazendo 30 anos de carreira este ano. Aí, saiu na Veja ‘Claudia de Souza este ano completa 30 anos de carreira’. Eu até levei um choque: Como assim? Quem falou?”, afirma, displicentemente, a diretora, bailarina e coreógrafa da Companhia Danças (Cia. Danças), que começou cedo – aos 14 anos já dava aulas e, ao atingir a maioridade, conquistou seu primeiro edital com um trabalho coreografado por ela.
Em 1996, o processo da Cia. Danças começou e deu identidade à dança contemporânea brasileira, com a inserção da capoeira nos espetáculos. Desde então, a companhia já foi contemplada por três vezes pela Lei de Incentivo – Fomento à Dança, fornecido pela Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, o terceiro fomento terá início nesse segundo semestre. A multifacetada artista que criou a Danças falou exclusivamente ao Jornal de Teatro sobre sua carreira e sobre seus trabalhos dentro e fora da companhia.
Jornal de Teatro – Falando sobre o início de sua carreira, dança foi sempre algo que você quis fazer?
Claudia de Souza – Acho que, fazendo uma retrospectiva, eu sempre quis trabalhar com dança, nunca duvidei disso. Mesmo quando a gente tem momentos mais difíceis, sem contrato, você fica “e agora?”. Mas a natureza do nosso trabalho é um pouco essa e isso sempre esteve muito presente para mim. Eu sempre quis, na verdade, ser coreógrafa, era uma coisa que eu já tinha desde pequena.
JT – Você começou com a sua mãe?
CS – Eu sempre fui aquela aluna super focada e minha mãe tinha uma companhia profissional, que eu sempre ia assistir. Com 16 anos, comecei a participar, mas quando eu tinha essa idade já gostava de coreografar. Com 14 anos comecei a dar aula para adultos. Com 18 anos teve inauguração do Centro Cultural São Paulo e chegou até mim a história de que eles estavam querendo jovens coreógrafos para a inauguração. Mandei um ‘projetinho’ e passei. Nessa época eu dançava na companhia da minha mãe e dirigia um grupo amador de 12 pessoas.
JT – Como aconteceu a transição de bailarina para coreógrafa?
CS – Hoje em dia eu não diferencio mais isso, antigamente eu mesma tinha uma cobrança: “O que eu vou ser? Coreógrafa ou bailarina?”. Na verdade, uma coisa completa a outra e dançar, para mim, é uma conseqüência da minha criação, a minha criação é uma conseqüência do dançar e vice-versa. Passei por esse drama porque a gente acha que tem que ser uma coisa ou outra. Antes eu achava que tinha que ser uma coisa só, mas, hoje, isso tudo está bem resolvido. Eu sou todas essas coisas porque eu danço.
JT – Entre dirigir a companhia, ser coreógrafa e bailarina, tem alguma função com a qual você se identifica mais?
CS – Acho que o que eu faço na dança, desde dar aula até dirigir a companhia e ser bailarina, faço porque sou coreógrafa. Isso, sim, ficou claro para mim. Coreografar não é só fazer passos bonitos e organizar cenicamente os bailarinos, é você ter uma ideia e desenvolvê-la para ela fazer parte de toda sua vida artística. Eu não gostaria de me eleger a uma coisa só, mas eu atuo em todas essas áreas por ser coreógrafa.
JT – Como funciona seu processo de criação na hora de montar um espetáculo?
CS – Eu não tenho uma receita para isso. Já aconteceu de várias formas durante esses anos de carreira. Tenho a minha companhia há 12 anos, isso tem sido um exercício muito interessante, porque uma criação leva a outra, tem um fio condutor, não que a gente fale da mesma coisa, mas eu acho que em uma criação você acaba se inspirando por outro tema que vem vindo.
JT – Como foi colocar a capoeira dentro da dança contemporânea?
CS – A capoeira entrou nesse tempo atrás pela convivência que eu tinha com os capoeiristas da escola que eu dirigia, eu via concordâncias em termos de movimento corporal, o que mais me interessava era o jogo e o estado de atenção do capoeirista. Me ajudou a trazer uma identidade brasileira, que eu tivesse alguma coisa que pertencesse mais a mim, que não fosse exportada. Hoje em dia a capoeira está em outro momento na companhia, ela já esteve muito mais em destaque porque não tinha ainda penetrado no trabalho. Essa transição do corpo que dança contemporânea, mas é um corpo brasileiro. Enfim, ainda é uma coisa em processo.
JT – E por que você decidiu trabalhar com a capoeira?
CS – Para buscar a minha identidade e não para fazer um folclore. Aliás, isso não é necessário, pois capoeiristas dão de dez em mim, eles não precisam de mim nem dos meus bailarinos para mostrar o que é a capoeira. A gente que precisou deles para se alimentar um pouco e ver se nos contaminávamos por essa história.
JT – Como é o trabalho da Companhia?
CS – A gente trabalha há 12 anos ininterruptamente de várias formas. A gente trabalha com aulas e ensaios três vezes por semana, oito horas por dia. Eu gosto de fazer várias coisas ao mesmo tempo. Tenho esse trabalho da companhia, carro chefe do meu dia a dia, sou coordenadora pedagógica do Dança Vocacional (projeto da Prefeitura que envolve teatro, dança e música), que é um trabalho que mexe com esse meu gostar de ensinar, e dou aulas também.
JT – O que foi preparado para esse ano de comemorações da Cia. Danças e dos seus 30 anos de carreira?
CS – Comemoramos os 12 anos da companhia, remontamos todo nosso repertório e fizemos uma exposição na Galeria Olido que foi super bacana. A companhia inteira trabalhou nisso, não só dançando, mas pesquisando também. Catalogamos todas as matérias de jornais, fizemos DVDs de todos os espetáculos da companhia, ficou uma coisa bem interessante. A gente fez uma doação deste acervo para a Galeria Olido e, também, para Escola Livre de Dança em Santo André e para Escola de Bailados.
JT – Vocês planejam algum trabalho novo este ano?
CS – Não. Vamos continuar com a circulação do repertório, a vigência do segundo fomento terminou no primeiro semestre e agora vamos iniciar a vigência do terceiro fomento. No segundo fizemos, além do repertório, a criação de um espetáculo. O último se chama “Adeus corpo gentil, morada do meu desejo” (2008).
"Pares"
Os paulistanos terão a oportunidade de conferir o trabalho que Claudia de Souza considera o “mais pop” de sua companhia. O espetáculo “Pares” está em cartaz no Teatro União Cultural, todas as quintas-feiras, às 21h. Para mais informações: (11) 2148-2905 ou acesse o blog da companhia: http://www.ciadasdancas.blogspot.com