Por Daniel Pinton
Uma das definições de teatro diz que ele “é uma arte que objetiva despertar sentimentos no público”. Pode-se dizer, então, que o entrevistado desta edição do Jornal de Teatro foi além. O premiado diretor Roberto Lage, com 47 anos dedicados ao teatro e um dos fundadores do Ágora – Centro para Desenvolvimento Teatral, bateu um papo com a nossa reportagem sobre pesquisa e formação teatrais, diversidade de gêneros, o atual panorama das artes cênicas, novas linguagens, universo feminino, trabalho com jovens atores, projetos futuros e, principalmente, o teatro como poder transformador da sociedade.
Jornal de Teatro – Você fez sucesso com vários gêneros teatrais diferentes. Qual deles, atualmente, te dá mais satisfação em encenar?
Roberto Lage – Minha paixão está na pertinência de um texto com o momento em que estamos vivendo, de que forma podemos fazer o diálogo entre as questões da época e o texto. Outro aspecto é a possibilidade para um trabalho de interpretação. Considero o meu trabalho muito mais como ator do que como encenador. Sempre gostei muito de investigar, de passear por vários gêneros, desde o circense, a dança, até textos clássicos, musicais.
JT – Há algum tipo de preparação diferenciada para cada gênero?
RL – Sem dúvida. Cada proposta de trabalho exige determinada metodologia. Gosto mesmo é de diversificação, da possibilidade de perceber a maneira de abordar um texto.
JT – Você se dedicou muito à pesquisa teatral. Você considera que esse trabalho foi adiante, rendeu frutos?
RL – Fui, durante dez anos, coordenador do Ágora, um centro de estudos teatrais, um centro de investigações teatrais. Sempre transitei entre o teatro investigativo e os mais comerciais. Sempre gostei dessas duas pontas. Sempre entendi o teatro mais como uma ferramenta de transformação. Abrimos o Ágora com intenção de promover atividades que desenvolvam obrigações do poder público. Convidamos autores para responder questões sociais levantadas pela gente, por exemplo. O Ágora deu frutos e fez coisas muito interessantes como, por exemplo, a montagem de “Ricardo III”.
JT – Você chegou a fazer teatro com presidiários. Como foi essa experiência?
RL – O trabalho com a população carcerária tinha como objetivo trazer para esse indivíduo o entendimento do seu papel na sociedade. Tinha o desejo de ressocializar esse indivíduo, dar a ele uma consciência.
JT – O teatro realmente é capaz de ressocializar qualquer indivíduo, por mais desencaminhado que ele esteja?
RL – A resposta que eu tive me dá segurança para dizer que sim. O homem se transforma quando ele consegue se ver e ver o outro através do jogo teatral. Inclusive um dos problemas que tivemos era porque conseguíamos acabar com as inimizades entre gangues, familiares... O sistema penitenciário funciona à base de castigo. Quando eles percebiam uma unidade maior entre os presos, meu trabalho passava a ser mal visto.
JT – Em “Uma Coisa muito Louca” você utilizou recursos novos como HQ e mangá. Você acredita que o teatro deve se adequar às novas tendências ou deve manter seu formato tradicional e “formar” as plateias?
RL – Eu acho que não existe regra geral quanto a isso. Cada desejo dos criadores deve ser respeitado. O teatro de hoje tende a voltar para as suas raízes. Não é à toa que o teatro narrativo tem sido tão utilizado atualmente.
JT – Então essas inovações seriam uma estratégia para uma renovação das plateias?
RL – O teatro não tem condições de competir com cinema e com a televisão. Sua função primeira é divertir e promover a reflexão. No caso de “Uma Coisa muito Louca”, a ideia foi trazer para o teatro um público que não o frequenta. Não acho que usei tecnologia inovadora. Usei a linguagem do vídeo, que me pareceu a forma mais adequada. Não acredito que seja uma renovação, mas uma estimulação. O novo não existe. O teatro sempre vive da alquimia dos elementos que sempre existiram. Acredito, sim, na sua reorganização.
JT – Você trabalha e já trabalhou tanto com jovens atores quanto com atores experientes. Como você vê a nova geração de atores?
RL – Acabo de sair de uma experiência muito feliz. Fiz um espetáculo em homenagem a Flavio de Carvalho, com um núcleo de teatro experimental, e a entrega deles para o trabalho, o desejo de realização e o estudo foram algo muito bom, maravilhoso. Essa paixão pelo fazer desses atores jovens tem sido muito interessante. Mas, de maneira geral, a formação desses atores está cada vez mais deficiente. Isso é uma herança do Ensino Médio. É um quadro social.
JT – Para você é mais fácil dirigir atores jovens ou mais experientes?
RL – Cada caso é um caso. Já trabalhei com atores experientes onde a troca foi muito boa, mas, outras vezes, nem tanto. Há projetos teatrais que exigem atores experientes, de peso, com maior preparo. É uma habilidade do diretor saber a metodologia para escolher seus atores.
JT – Você, há pouco tempo, dirigiu “Uma Coisa muito Louca”, “Dois Irmãos” e novos atores no Sesi, simultaneamente. Você sente necessidade de estar sempre produzindo? Consegue gerenciar bem seu tempo entre trabalho e vida pessoal?
RL – Sou um workaholic, gosto de trabalhar. Felizmente, desde que faço teatro, sempre fui muito solicitado, recebo muitos convites. Mas, paralelamente, não abro mão da minha vida pessoal, gosto de namorar etc.
JT – Você com recorrência trata do universo feminino em suas peças, como na montagem “Blasfêmeas”. Sendo homem, você sentiu alguma dificuldade em tratar de um universo que não é seu?
RL – Não tive nenhuma dificuldade. Gosto muito do universo feminino, tudo o que aprendi foi com as mulheres, gosto da mulher, sempre tive muito prazer em trabalhar com o universo feminino.
JT – Nesses mais de 45 anos de carreira teatral, qual momento você destacaria como o mais gratificante, o mais especial?
RL – São muitos, mas sou uma pessoa que vivo muito o momento presente, o que passou, passou. Posso destacar os dez anos de Ágora, que foram muito gratificantes, com “Dores de Amores”, “Tamara”, “Meu Tio, o Iauaretê”. Mas, como eu disse, vivo o hoje. Agora estou dirigindo o espetáculo “Teatro para Pássaros”, pelo qual estou apaixonado.
JT – E para o futuro? Quais são os seus planos?
RL – Tenho alguns projetos para frente que dependem de mais recursos financeiros. Gostaria ainda de montar “A Dança Final”, de Plínio Marcos, e tenho também projeto de montagem de “Medéia”, em uma adaptação.