Jornal de Teatro entrevista o Gênio da Lâmpada

Por Rebeca Dourado
Redação

Iluminador cênico com 27 anos de carreira e mais de 1000 projetos realizados em parceria com grandes nomes do teatro nacional. A excelência de seu trabalho nos palcos já lhe rendeu apelidos como "O Príncipe da Luz" e "Gênio da Lâmpada". Indicado diversas vezes aos mais importantes prêmios do país, venceu três vezes o Prêmio Shell sendo o último em 2009 pelo musical “O Despertar da Primavera”, da dupla Claudio Botelho e Charles Möeller.

Em entrevista ao Jornal de Teatro, Paulo César Medeiros destacou que antes de ser o premiado iluminador é um simples espectador que se desconecta do mundo fora do teatro para se entregar à próxima história a ser contada. “Eu sempre acho que a primeira impressão que o espectador tem é a que fica. Se eu não for tocado como espectador eu não vou ser tocado como técnico”, disse.

Apaixonado pelos atores, o iluminador é formado em direção teatral pela UniRio e considera essa uma das razões para seus bons resultados nos palcos. "Eu sou a favor de que o iluminador tenha formação de direção pra falar de igual pra igual com o diretor. Ele tem que ter uma opinião artística. Tem que ser um agente".

No início da carreira, teve o privilégio de trabalhar com Ítalo Rossi, Bibi Ferreira, Sérgio Britto, Marília Pêra e Marco Nanini. Todos seus mentores nessa trajetória, segundo ele. Paulinho – como é chamado pelos amigos e colegas de trabalho – diz que no início seu envolvimento com a iluminação cênica não era profissional e revela que quando percebeu estava completamente apaixonado.

Descreve a luz como algo que respira, sufoca, grita e até silencia. “É como se tivesse todo o mecanismo que um ator tem como voz, respiração, intensidade – e tem tudo isso”, afirma. “A luz é mais um elemento com a função de conectar”.

O iluminador é um dos criadores da ABRIC, Associação Brasileira de Iluminadores Cênicos, e lutou pelo reconhecimento do profissional que antes não tinha o crédito vinculado à ficha técnica do espetáculo. “Quando eu comecei a fazer luz, o nome do iluminador vinha junto com o contrarregra e camareira. Briguei muito pelo crédito, pelo cachê. O iluminador antes trabalhava de madrugada porque era o horário que sobrava”, revela Paulinho.

Com uma rotina de inúmeras estreias em um único fim de semana, viagens pelo Brasil e pelo mundo acompanhando temporadas e festivais, palestras e congressos, ele busca alimentar cada vez mais seu lado criativo. “Às vezes, você entra num ciclo de trabalho onde nada mais te acrescenta. É preciso estar atento e aberto às novas possibilidades”, diz ele.

Você confere, neste bate papo, a relação de amor entre o Gênio e a luz.

Jornal de Teatro -
Com toda a evolução tecnológica dos equipamentos de luz, o que você considera mais importante na hora do mapeamento: a sensibilidade ou a tecnologia?

Paulo César Medeiros – Eu estou no meio de uma crise artística agora. Minha geração aprendeu a fazer luz com muito pouco equipamento. Equipamentos muito simples. É uma geração que aprendeu a desenvolver uma ideia de desenho de luz. Hoje os novos equipamentos, principalmente na área de musicais, são muito versáteis em si. No mesmo refletor você tem inúmeras combinações que te dão outras inúmeras tonalidades. Isso é uma delícia para o iluminador. Mas ao mesmo tempo esses aparelhos podem engessar a sua criatividade. Você para de pensar anteriormente no desenho da luz. Eu estou exatamente neste momento. Tentar fazer com que essa tecnologia não aprisione minha criação, o pensamento anterior. Eu sempre pensei que luz é energia pura. E o iluminador concretiza uma energia que já existe ali. Eu não gosto de ver os espetáculos muito no início da montagem deles, por exemplo. Prefiro ver mais pronto porque a visão que eu vou ter é mais próxima do espectador e eu sempre acho que a primeira impressão que o espectador tem é a que fica. Se eu não for tocado como espectador eu não vou ser tocado como técnico. Eu não conseguiria fazer meu trabalho só baseado na técnica. Eu tenho que ter uma contribuição humana, alguma relação que eu desenvolva com aquilo que o espetáculo me tocou. Se eu não tiver algo da origem do espetáculo eu não vou conseguir resolver os problemas. Mais importante do que a técnica ou ter acesso à tecnologia é você ter um envolvimento emocional com o espetáculo. Pode ser uma lágrima ou uma gargalhada, a relação que você estabeleceu com a direção, a relação entre os atores, mas alguma coisa tem que te enganchar. Já saí de espetáculos que não tinham gancho. Eu procuro identificar as pessoas para quem aquele espetáculo se destina. São públicos e desejos artísticos diferentes e o iluminador é muito privilegiado nesse sentindo porque ele aprende a amar pelo olhar do outro. Ele aprende a se sensibilizar pelo tipo de teatro do outro.

JT - Você parte de que princípio na hora de montar a luz de um espetáculo de dança e um de teatro?

PCM -
Pra todo tipo de trabalho que eu vou fazer eu vou aberto pra ser tocado por aquilo e depois vejo como isso se organiza. Se eu for pra um espetáculo de dança achando que existe uma luz de dança, eu já estou prejulgando o que aquele espetáculo tem a me oferecer. A dança contemporânea é muito próxima do teatro com a inclusão do texto e você pode trazer a luz do teatro, com o peso que a dramaturgia tem. Eu gosto que a ideia de luz se aproxime do ator. Se a luz fosse um ator, como ela se comportaria num espetáculo como esse. É como se tivesse todo o mecanismo que um ator tem como voz, respiração, intensidade – e tem tudo isso. Às vezes você põe uma luz muito forte e parece que ela tá gritando. Ou suave fazendo um carinho no ator. Você vê que o que resta pra luz é pensar como ela pode contribuir em cena. Que relação ela vai estabelecer com os atores? Vai estar sempre interpretando.

JT - Já usou a luz natural dentro de um teatro ou outro espaço cênico?

PCM – Eu fiz poucos espetáculos ao ar livre. Trabalhei com alguns grupos de rua. Fiz uma vez um espetáculo chamado Piquenique no Front que era ao ar livre. O que eu fiz foi mudar a posição dos atores porque o espetáculo começava às 4 da tarde e terminava ao entardecer. Então o sol ia acompanhando até o final. Foi o máximo que fiz com a luz natural. Minha relação com isso é o reconhecimento de que está tudo na natureza, né? É observação. Tem lugares no Brasil que você acha que estão brincando com você. A luz é inacreditável. Eu tenho a sensação de que eu fui me apaixonando pela luz. Começou com uma amizade, fiquei amigo dos diretores, gostava deles, mas comecei pra ganhar dinheiro e quando percebi eu estava completamente apaixonado. Tive muitos mentores como o Ítalo Rossi, Bibi Ferreira, Nanini, Marília Pêra, Sérgio Britto, pessoas com quem eu tive a sorte de trabalhar no início da minha carreira. Eles me ensinaram a fazer luz, a me apaixonar por luz. Eu via um sentindo na iluminação com a direção.


JT -
O reconhecimento do iluminador é mais da classe ou atinge também o público?

PCM – Acho que o público percebe sensorialmente. Percebe que tem alguma coisa muito bem feita e que deu certo, mas não sabe dizer o que é. Luz é muito linda e pra errar tem que ter muita vontade. Tem que estar muito desconectado. Quando eu comecei a fazer luz, o nome do iluminador vinha junto com o contrarregra e camareira. Briguei muito pelo crédito, pelo cachê. O iluminador antes trabalhava de madrugada porque era o horário que sobrava. Minha equipe tem horário de almoço, diária de alimentação, briguei pelo cachê ser igual ao do cenógrafo e figurinista. Até hoje eu vejo flyer sem o crédito e mando email pedindo pra colocar.

JT – Qual a diferença da iluminação de uma peça com texto para outra sem texto?

PCM – Tive experiências em alguns espetáculos onde eu percebia a hora da luz falar. Se você pegar os grandes atores, eles tem uma escuta muito grande. Eles lidam com o agora. E a luz precisa lidar com isso também. Eu tento preparar a luz e o operador para o jogo. A força de um movimento de luz fala, ou escuta, ou se ausenta, ou deixa alguém no canto. Tem atitude de direção e atuação. Eu comecei a fazer um exercício de criar a luz sem olhar pra luz. Olhando pros atores. O meu olhar está onde o olhar do público está. Então quando o diretor vem falar alguma coisa pra mim eu sei exatamente do que ele ta falando. O que interessa é a comunicação que está acontecendo ali.


JT – Você se considera referência?

PCM – Acho que sim, né? Normal. Quando eu comecei só tinham 4 ou 5 iluminadores no Rio de Janeiro. O Aurélio de Simoni, Maneco Quinderé, Jorginho de Carvalho... Hoje tem mais de 20 novos atuantes como o Francisco Rocha, João Amaral, Daniela Sanches, e muitos outros que certamente estou esquecendo aqui. Uma geração muito boa e com a qual eu me comunico. É uma relação de admiração. Por exemplo, eu fui uma das primeiras pessoas a montar a ABRIC (Associação Brasileira de Iluminação Cênica). As primeiras reuniões foram na minha casa. Depois tive que me distanciar porque minha vida sempre foi uma loucura. Mas estou sempre por ali, por perto.

JT – O que você faz questão de dar ênfase pra esses novos iluminadores que estão vindo?

PCM – Eu falo muito sobre a conexão, pensar a luz não como elemento técnico e sim como artístico. A técnica você aprende, com dedicação, praticamente em 1 ano. Agora a formação artística leva a vida inteira. Várias vidas. Eu sou a favor de que o iluminador tem que ter formação de direção pra falar de igual pra igual com o diretor. Ele tem que ter uma opinião artística. Tem que ser um agente.

Paulo César Medeiros assina a iluminação de recentes produções como “Em Nome do Jogo”, do diretor Gustavo Passo, o musical “Milton Nascimento: Nada Será Como Antes”, da dupla Möeller e Botelho, além de “Bibi em Concerto”, “Sassaricando” e “Herivelto Como Conheci” – espetáculos que fizeram parte da Mostra de Teatro do Brasil no Ano do Brasil em Portugal.

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