1. Outro dia jantei com amigos e começamos a falar de teatro. Perguntavam se vi tal peça, o que penso de certo ator ou autor. Mais: o que achei de trabalhar com este ou aquele diretor. Já que me conhecem bem, os amigos de mesa e copo sabem de cara que podem esperar pela tão decantada sinceridade rude ou a honestidade cruel que, por vezes, me são peculiares. Sarcástica, irônica ou avassaladora. Não importa o adjetivo que dêem a ela, minha opinião pertence exclusivamente a mim, embora pareça interessar a uns e outros. Como se o que eu acho fizesse alguma diferença àqueles que ainda se dedicam a pensar ou tentar entender o teatro que se faz em São Paulo de uns tempos para cá.
2. O papo começou com o livro do Caetano, “Verdade Tropical”, e sobre o que ele diz de figurinhas carimbadas do teatro brasileiro. Entre elas Vianinha e Zé Celso. A inquietação artística de ambos, a qualidade dramatúrgica do primeiro, a genialidade do segundo. E foi uma longa conversa. Lembramos da montagem antológica de “Rasga Coração”, com Raul Cortez. Contei da minha emoção assistindo “Mistérios Gozosos” em pleno pátio do Colégio, em um remoto carnaval, ou um “Hamlet” furioso de oito horas de duração, ambos sob a direção do Zé. Revivi os momentos em que dirigi “Mão na Luva”, do Vianinha, em duas montagens estudantis, ao mesmo tempo que recordava a montagem histórica com Marco Nanini e Juliana Carneiro da Cunha.
3. Reclamei do teatro. Ando queixoso dele. Passei a encará-lo como um amante fútil. Ele deseja a sua juventude e o despreza quando ela se vai; ao invés de sustentar, alimenta sua vaidade com migalhas de realização e sucesso. Por isso mesmo, atualmente é quase impossível manter com ele uma união estável. Como em qualquer relação com um amante tão sedutor, desprendem-se as lágrimas pelos rompimentos e reencontros sucessivos; o suor pela dedicação diária; o esforço de matar um leão por dia.
4. Outro dia, falei da Myriam Muniz e contei uma história sobre ela. A Myriam foi diretora, atriz e empreendedora. Foi, sobretudo, foi uma grande mestra. Fala-se pouco dela. Foi homenageada em uma obscura sala de espetáculos do Teatro Ruth Escobar, deu (ou dá) nome a um prêmio de incentivo, mas acho que não é citada em sala de aula. Aliás, penso que são poucos os nomes do nosso teatro que são mencionados em sala de aula. Em boa parte delas, não se ensina história do teatro ou estética e linguagem teatral; não se menciona seus pensadores; sequer são lidos textos de teatro.
5. Da última vez em que trabalhei em uma escola, ouvi frases como: “Você pede para eles lerem demais! Uma peça por semana! Assim eles vão embora!” Ou ainda: “Dirijam peças com no máximo uma hora de duração. Os convidados reclamam quando as peças são longas... por que insistem em Shakespeare e Nelson Rodrigues... seria melhor se adaptassem umas crônicas engraçadas.” E ainda por cima tem que ser comédia!
Na maioria das atuais escolas, o importante é profissionalizar rapidinho o aspirante ao título de ator para que ele, também muito rapidinho, possa fazer um teste na Globo. E, em consequência, parar de fazer teatro bem rapidinho. Claro que para tudo há raras e honrosas exceções de todos os lados – escolas, alunos e professores.
Para acabar, voltemos à Myriam. Aprendi com ela que o teatro é, antes de tudo, uma grande brincadeira, uma diversão que precisa ser levada a sério. Como qualquer amante. Gostoso, sedutor, criativo. E que dá uma trabalheira para gente conservar na nossa vida!
*Gerson Steves tem 25 anos de atividades teatrais na cidade de São Paulo, tendo atuado como diretor, dramaturgo, ator, produtor e professor. Portanto, é um amante constante do teatro.