Ariano Suassuna:simplesmente imperdível

Alysson Cardinali Neto

"Arte, para mim, não é produto de mercado. Podem me chamar de romântico. Arte, para mim, é missão, vocação e festa". Assim pensa Ariano Suassuna, 82 anos, escritor, dramaturgo, músico, artista plástico, advogado, professor, pensador e tantas outras definições que possam explicar a personalidade e o talento deste que é considerado um decifrador de brasilidades. Nascido na Cidade da Parahyba - hoje João Pessoa (PB) -, em 16 de junho de 1927, Suassuna, desde a adolescência, dedica-se, de corpo e alma, à missão de fazer arte e levá-la a um povo faminto não só por comida, mas por conhecimento. Defensor militante da cultura do Nordeste, Suassuna, através de sua vocação para essa arte, extraiu o que há de melhor dela e, com estilo próprio, fez - e ainda faz - a festa de seus admiradores. Detalhe: que se espalham não só pelo Nordeste brasileiro, mas por todo o País, pelo mundo.

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O Movimento Armorial, criado por Ariano Suassuna, é um exemplo da complexidade e da genialidade de seu autor. O paraibano mais pernambucano do Brasil (Suassuna foi morar no Recife aos 15 anos e, lá, desenvolveu seus estudos - formou-se em Direito, em 1950 e em Filosofia, em 1964) é o responsável pela criação de uma arte erudita a partir de elementos da cultura popular do nordestino - que é, antes de tudo, um forte, como dizia Euclides da Cunha. Foi através dos valores da região, com seu vasto arcabouço erudito e teórico, que Suassuna, com sua escrita, reuniu, ao mesmo tempo, elementos do simbolismo, do barroco e da literatura de cordel, fazendo do Sertão o palco ideal de questões humanas que se repetem em qualquer lugar do mundo.
A "nordestinidade" está no sangue deste homem de formação calvinista e posteriormente agnóstico, que converteu-se ao catolicismo (gesto que marcaria definitivamente a sua obra) e começou a mostrar seus dons literários aos 18 anos de idade, quando escreveu o poema "Noturno", publicado em destaque no Jornal do Commercio, do Recife, em outubro de 1945. Não demoraria para o teatro entrar em sua vida. Criador do Teatro do Estudante de Pernambuco (TEP), Suassuna, entre 1946 e 1953, sob influência direta de Hermilo Borba Filho, começou a escrever peças e a construir uma obra modelar, referência obrigatória para todos os que desejam conhecer a dramaturgia nacional - fundaria, ainda, em 1960, o Teatro Popular do Nordeste (TPN). O romanceiro popular nordestino e a tradição mediterrânea são as características principais do teatro de Suassuna, que fundamentaram toda a concepção moderna de uma dramaturgia nordestina erudita.

Salve o "Auto da Compadecida"
Entre as suas inúmeras peças conhecidas (e premiadas), destaque para "O Auto da Compadecida", de 1955, que projetou Suassuna em todo o País e fez o crítico teatral Sábato Magaldi definir a obra como "o texto mais popular do moderno teatro brasileiro". Esta peça, aliás, abriu as portas da televisão e do cinema para o seu autor devido às adaptações para os dois meios. Outro exemplo do talento de Suassuna é o romance "A Pedra do Reino", também adaptada para a televisão e que revelou outra faceta de Ariano: seu talento com as palavras. Talento que o levou a ocupar, desde 1990, a cadeira 32 da Academia Brasileira de Letras (ABL).
Por falar em palavras, Ariano, embora aclamado como um dos maiores dramaturgos e romancistas de língua portuguesa, é, também, um poeta de mão cheia. Sua produção poética acompanhou, durante muitos anos, a produção teatral. O estudo aprofundado da poesia popular foi - e ainda é - uma constante na vida deste homem, até porque é partindo principalmente dos folhetos do romanceiro popular nordestino que Suassuna encontrou o caminho para criar toda a sua obra teatral (seus primeiros poemas datam de 1946, 1947 e 1948 como "A Morte do Touro Mão de Pau", "Beira-mar", "Os Guabirabas", "Encontro" e "A Barca do Céu", entre outros).

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Tragédia na infância
A genialidade de Ariano Suassuna é conhecida (e reconhecida) mundialmente, mas sua vida nem sempre foi feita, apenas, de alegria. Uma tragédia familiar marca sua trajetória: a morte de seu pai, João Urbano Pessoa de Vasconcellos Suassuna, em 1930, no Rio de Janeiro. João Suassuna era deputado federal quando, por questões políticas ligadas à Revolução de 1930, foi assassinado. Ariano tinha, na época, três anos de idade, mas viu seu destino ser alterado em razão deste fato. Viúva, a mãe de Ariano, Rita de Cássia Vilar, mudou-se com a família do Sítio Acauã, no sertão paraibano, para a cidade de Taperoá, na região do Cariri do estado. Devido à morte de João Urbano, porém, Ariano e toda a família, para fugir das represálias dos grupos opositores ao seu falecido pai, foram obrigados a fazer uma verdadeira peregrinação por inúmeras cidades antes de se fixar no Recife, onde Suassuna daria início à carreira artística, embora, em Taperoá, tenha vivido sua primeira experiência com o teatro, ao assistir a uma peça de mamulengos e a um desafio de viola - cujo caráter de improvisação marcaria a obre teatral de Ariano.
Hoje secretário de Cultura de Pernambuco, Ariano Suassuna possui como meta apresentar e estimular a produção de uma arte de qualidade, com bases nas raízes do povo brasileiro. Arte de qualidade que é traduzida nas diversas peças do autor que, ainda hoje, são encenadas pelos mais variados grupos teatrais. A mais recente é a comédia "Farsa da Boa Preguiça", de 1960, uma das mais importantes para o teatro brasileiro contemporâneo. Dirigida por João das Neves (um dos fundadores do Grupo Opinião e que, este ano, completa 50 anos de carreira), com interpretação dos atores Guilherme Piva, Bianca Byington, Ernani Moraes, Daniela Fontan e grande elenco, a peça narra a história de Joaquim Simão (Guilherme Piva), poeta de cordel, pobre e "preguiçoso", que só pensa em dormir (estará em cartaz a partir do dia 7 de agosto, no Teatro das Artes, no Shopping Eldorado em São Paulo).
Joaquim é casado com Nevinha (Daniela Fontan), mulher religiosa e dedicada ao marido e aos filhos. O casal mais rico da cidade, Aderaldo Catacão (Ernani Moraes) e Clarabela (Bianca Byington), possui um relacionamento aberto. Aderaldo é apaixonado por Nevinha e Clarabela quer conquistar Joaquim Simão. Três demônios fazem de tudo para que o pobre casal se renda a tentação e caia no pecado, enquanto dois santos tentam intervir. Jesus observa e avalia tudo. A partir daí, situações inusitadas e muito divertidas fazem deste texto uma das peças mais divertidas do teatro brasileiro. "Ao encenar esse texto queremos reverenciar o mestre Ariano Suassuna e sua obra. Queremos celebrar, com carinho e alegria, aquilo que somos: artistas do povo brasileiro", resume João das Neves.
Para Ariano Suassuna, a "Farsa da Boa Preguiça" tem outros focos mais importantes do que retratar, apenas, a preguiça. "Não defendo indiscriminadamente a preguiça - coisa que, aliás, não poderia fazer, pois ela é um dos ‘sete vícios capitais' do Catecismo", brinca Suassuna, feliz com o resultado obtido pela nova encenação de sua peça, indicada para todas as idades, inclusive jovens e adolescentes.
"Farsa da Boa Preguiça" promove, também, o lançamento oficial do catálogo e do "Museu Digital Ariano Suassuna" (www.arianosuassuna.com.br), que apresenta todo o acervo do artista, distribuído em coleções e sub-coleções, como bibliografia, exposições, manuscritos, entrevistas, correspondências, obras de arte, fotografias etc. Esse acervo, uma vez convertido em imagens digitais, amplia enormemente seu potencial de fruição, numa proporção impossível de ser atingida pelas visitas locais ao acervo físico. Um presente para os admiradores desse grande mestre e homem.

 

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