A praia de Regina Braga Consagrada nos palcos, atriz comemora sucesso

Por Bruno Pacheco

Quando mudou-se do interior de Minas Gerais para São Paulo, aos 17 anos, Regina Braga carregava consigo a vontade de fugir do cenário ao qual as garotas daquela cidade eram levadas. Casar-se com um fazendeiro não passava pela sua cabeça. Tão pouco tornar-se atriz. Enquanto as amigas faziam planos para a vida ao lado de um “Rei do Gado”, Regina queria apenas ser diferente. Ir para a cidade grande era um bom começo. Cogitou, em certo momento, ser jornalista. Mas o destino lhe reservava outro caminho. O acaso a levou para os palcos. Regina formou-se pela EAD (Escola de Artes Dramáticas de São Paulo), interpretou grandes personagens, recebeu prêmios e encontrou no teatro a sua praia. Mesmo em São Paulo. No entanto, na história dos 42 anos de carreira da atriz, o acaso é mero coadjuvante. Quem a vê em cena, não tem dúvidas de que o talento e a vocação foram os seus principais norteadores. Em cartaz no Rio de Janeiro, no Sesc Ginástico, com a peça “Por um Fio” (adaptação do livro homônimo do seu marido Drauzio Varella, com quem é casada há 27 anos) – depois de temporadas de sucesso em Porto Alegre, em Belo Horizonte e em São Paulo –, Regina Braga conta ao Jornal de Teatro como é dividir com o público histórias tão pessoais. Fala, também, da experiência  de vida que “Por um Fio” a proporcionou e sobre a sua nova forma de lidar com o tempo, além de relembrar momentos da carreira (diz ter apreço por todas as personagens vividas) e demonstra insatisfação e desânimo com a Lei Rouanet. “É muita burocracia, isso não incentiva”, desabafa.

Jornal de Teatro – Quando surgiu o interesse pelas artes dramáticas?
Regina Braga – Desde pequena fiz teatro amador. Daí, fui morar em São Paulo e fiz um exame na EAD. Na época, fui na empolgação, pois todas as minhas amigas fizeram. Fui despretensiosamente e acabei sendo aprovada. Eu ainda não sabia muito o que queria fazer da vida, mas entrei na escola e fiquei. Acho que eu tinha jeito para a coisa.   

JT – Sua estreia profissional foi em “A Escola de Mulheres”, de Molière, dramaturgo responsável por inserir a mulher no teatro. Hoje, qual o papel da mulher no teatro? Ainda existe preconceito nesta área?
RB – As mulheres são importantíssimas. Atualmente, existem muito mais boas atrizes de teatro do que atores. O Brasil é farto de grandes atrizes. Sobre preconceito, nunca houve. O teatro é muito democrático.

JT – Você fazia parte do núcleo 2 do Teatro de Arena quando encenou o texto de Molière. Como foi fazer parte do Teatro de Arena?
RB – Eu fiz apenas  a peça “A Escola de Mulheres” com o núcleo. Viajei um pouco com ela e depois saí. Mas foi um momento importante para quem estava começando.

JT – Em 2001, você ganhou o APCA de melhor atriz com “Um Porto para Elisabeth Bishop”. Esta foi a sua melhor atuação?
RB – Ganhei muitos prêmios (nota da redação: entre estes, dois prêmios Molière; um por “Chiquinha Gonzaga, ó abre alas”; e outro por “Uma relação tão delicada”). Mas todos os meus personagens são especiais. Minha atuação em “Uma relação tão delicada” foi muito marcante. Gostei muito de encená-la, a Bishop também foi ótimo interpretar. Tenho carinho por tudo que faço. 

JT – Você interpretou mulheres de grande importância histórica, como Chiquinha Gonzaga. O que essas mulheres deixaram na mulher Regina Braga?
RB – Foi o máximo interpretá-las. São pessoas que vale a pena se aprofundar. Fiquei muito perto delas. Foi importantíssimo viver Bishop e Chiquinha para conhecer o universo carioca, pois as duas eram cariocas. Mulheres muito interessantes. Bishop, por exemplo, morou em Petrópolis. Fiquei muito íntima delas. Pelo fato de eu morar em São Paulo, fazê-las e conhecê-las melhor foi uma convivência enriquecedora. Pude, também, conhecer mais do Rio de Janeiro.

JT –  É mais difícil se consagrar no teatro ou na televisão?
RB –  Acredito que não há regra. Com cada pessoa é de um jeito. Comigo foi através do teatro. Comecei sem pretensões e dei muito certo. Quando voltei da Europa (n.r.:Regina fez estágios na França) fiz três peças e fui premiada. Isso me deu entrada no universo e me fortaleceu. Não parei mais. Não tinha muita vontade de ficar no teatro, mas aconteceu. O fato de morar em São Paulo dificultou a minha entrada na televisão. Na década de 1970, todas as emissoras estavam concentradas no Rio de Janeiro e eu não podia morar no Rio. Cheguei a receber convites na época, mas esse fator dificultou. Por outro lado, conquistei, em São Paulo, meu espaço no teatro.

JT –  Nos palcos, o que gostaria de fazer e que ainda não fez?
RB – Estou muito desanimada no teatro com a questão da produção. A burocracia hoje em dia é muito grande. Isso me cansa. Conseguir uma renovação na Lei Rouanet, por exemplo, é muito complicado. Isso desanima. Tenho vontade de fazer uma peça grega, mas, só de saber todo o trabalho que dá para conseguir verba, acabo broxando. Quando me vem uma vontade eu a abafo e penso duas vezes, pois dá muito trabalho e corre-se o risco de, quando estiver pronto, não conseguir patrocínio. Queria muito fazer a Bishop novamente, pois foi um sucesso. Mas tem muitos entraves para se renovar com a Rouanet. São várias etapas e critérios sem porquês.   

JT – O teatro é a sua praia? É o espaço que mais te completa como atriz?
RB –  É sim, mas não se trata de algo ideológico. Minha familiaridade com o teatro é muito antiga. Eu não tinha nenhuma pretensão de ser atriz, morava em uma cidadezinha do interior, perto do Mato Grosso, e ser artista não fazia parte do repertório de quem morava lá. As minhas amigas se preparavam para casar com fazendeiro. Eu queria ser jornalista, pois, na minha cabeça, poderia fazer coisas bacanas. Queria sair do interior, mas não tinha possibilidade. Mesmo assim, sempre fui ligada à arte. Dançava e atuava nas peças da escola. Quando me mudei para São Paulo queria apenas sair do interior. Em São Paulo, descobri a EAD e, conforme ficava lá, tinha a sensação de um mundo novo, de portas se abrindo. Fiquei amiga de atrizes e achei o ambiente de teatro muito bom, queria ficar perto desse universo. Eu achava os artistas muito bacanas. Isso me conduziu ao teatro. Daí, fui ficando e estou até hoje. E ainda continuo achando os artistas ótimos.

JT – Atuar em “Por um fio” é uma experiência muito pessoal, dolorida (Regina é casada com Drauzio Varella, autor do livro, há 27 anos)?
RB –  Tem muita proximidade. Afinal, no livro, sou citada algumas vezes. Mas isso não poderia ser levado para o palco. Não era o propósito. Foi muito complicado no começo.

JT – Durante a peça, é possível sentir uma carga de emoção diferente na sua atuação. Isso tem a ver com a sua proximidade com as histórias contadas, como a de Fernando, irmão do seu marido?
RB – Quando começamos os ensaios, eu não conseguia fazer a leitura do texto sem chorar. Mas, com o tempo, a direção me conduziu para um distanciamento (n.r.: a direção da peça é de Moacir Chaves). A partir daí, passei a me relacionar com o texto pelo ritmo, como se ele fosse uma canção. Hoje, depois das três temporadas, a emoção deixou de ser pessoal. Esse espetáculo me proporcionou a oportunidade de aprender a depurar meus sentimentos. Aprendi a ser mais racional. Outro detalhe importante é a minha relação com os gestos. Aprendi a não usar os gestos de forma banal, mecânica. Os gestos são muito marcantes em “Por um Fio”.

JT – Vocês pensaram em contar as outras histórias do livro, fazer roteiros diferentes para cada apresentação?
RB – Sim. Seria muito interessante, pois o livro tem outras histórias belíssimas. Mas não daria para inserir no meio da temporada, seria complicado. O tempo não permitiu também. Era uma ótima ideia.

JT – Tony Ramos classificou “Por um fio” como um espetáculo abençoado, por se tratar de um tema tão duro de forma terna e sem parecer piegas. Você tem medo da morte?
RB – Tenho sim. E quem no fundo não tem? A reflexão sobre isso ajuda você a melhorar, a ser mais objetivo em relação ao seu tempo presente. Quando você passa a enxergar limites no tempo você pensa melhor no que é fundamental para você. A valorização da vida e da saúde bateu muito forte para mim. Na verdade, ninguém está completamente preparado para a morte, mas para a vida, de certa forma, sim. A peça deixa aquela obrigação de ir direto ao que é importante na vida, ir de encontro ao fundamental.

JT –  Quais são seus próximos projetos?
RB – Tenho alguns projetos em mente sim, mas prefiro não falar antes para não criar muitas expectativas. Mas volto a dizer, a realidade burocrática atrapalha, cansa. Penso muito antes de iniciar um novo projeto por conta disso. Talvez este seja um bom momento para dar um tempo. Quem sabe fazer um trabalho na televisão?